No dia da festa no Peggy’s eu acordei com uma estranha
sensação. Um peso que estava nos meus ombros havia subitamente desaparecido.
Tudo parecia se encaixar perfeitamente, nada estava faltando. Eu não sabia
dizer o que era. Minha cabeça estava numa paz tão serena que quase
instintivamente eu me dentei na janela do meu quarto e acendi um cigarro. Em
longas tragadas eu observava o jardim comunitário atrás da casa do Greg. O dia
estava tão claro e o céu tão azul e aberto, a brisa do mar enchia a cidade. De
repente eu me senti parte de tudo isso. Foi quando me caiu a ficha:
―A Fuga acabou.
Troquei de roupa e desci as escadas com a intenção de ir até
o mercadinho. No caminho uma senhora me cumprimentou e curiosamente eu consegui
lembrar o nome e onde ela morava. Eu já era praticamente um cidadão de Santa
Clara. Eu estava em casa.
Cheguei a casa com uma sacola cheia de compras já era quase
onze horas. Resolvi ligar para o Greg:
―Alô?
―Gregório?
―Oi Téo, aconteceu alguma coisa?
―Não eu... Só queria saber se você almoça em casa hoje?
Senti uma pausa para estranhamento na voz dele.
―Hoje eu vou fazer alguns trabalhos internos na central.
Acho que daqui à uma hora, uma hora e meia eu termino, daí eu pedi folga no
resto do dia pra ajudar no Peggy’s e buscar o Argentino no aeroporto de Costa
Azul. ― Ele deu uma pausa generosa após isso ― O que foi Téo, você está
diferente.
―Eu não consigo explicar pelo telefone, quando você chegar
em casa nós conversamos.
―Certo, me deixa desligar antes que o comandante chegue.
―Te amo.
―Também.
Decidi fazer o mesmo macarrão que comemos no nosso encontro
no Skykeeper, mas quando eu desliguei o celular, vi que havia uma chamada
perdida de um número desconhecido. Ninguém além do Greg e da Peggy tinham o
número desse celular. Sendo assim, eu resolvi retornar a ligação:
―Gazeta de Santa Clara bom dia. ― Disse a voz no outro lado
da linha. Minhas pernas quase caíram.
―Bom dia, meu nome é Theodoro, eu recebi uma ligação desse
número, deve ter sido um engano.
― O senhor é o Theodoro Martins Alvares?
―Sim.
―Eu sou a secretária do senhor Bento José Custódio, Chefe da
redação da Gazeta de Santa Clara, ele gostaria de falar com o senhor a respeito
do currículo que o senhor nos enviou ontem.
―Claro.
―Ótimo, sua reunião com ele está marcada para hoje às onze e
meia.
―Mas isso é daqui a 10 minutos!
―Tenha um bom dia senhor.
A vaca da secretária desligou na minha cara. Pela janela do
escritório vi minha vespa estacionada perto do portão:
―É hoje que eu vou ver qual é sua velocidade máxima.
A sede da Gazeta de Santa Clara fica no edifício Santa
Amélia, localizado numa área da cidade simpaticamente apelidada pela Peggy de
“Zona de Gaza”. Uma região intermediária entre a Cidade nova e a Cidade
velha. Eu já havia passado por lá umas
quinhentas vezes. O único problema é: se você tentar ir andando cortando o
passeio público e a praça da igrejinha a caminhada dura aproximadamente quinze
minutos. Para conseguir chegar lá em
menos de 10, eu deveria fazer o mesmo trajeto cruzando esses pontos turísticos
em meu veículo.
Sentei na Vespa respirei fundo e fui. Nessa brincadeira
quase atropelei uma senhora com um cachorro e um homem carregando umas caixas.
Rezei para que nenhum guarda civil me visse.
Ainda mais o Gregório. Mas isso é
uma insegurança que fica pra outra hora. Porque agora eu deveria chegar em
menos de 5 minutos. A praça da igreja estava na minha frente e uma linha reta
se formava entre eu e a entrada do edifício. É hora de voar!
Como se os anjos dissessem amém. A praça estava deserta.
Quando eu passei com minha motoneta, algumas pombas levantavam voo e cruzavam
sobre mim deixando algumas penas caírem. Depois eu vi o edifício Santa Amélia
coberto de uma luz divina. Claro que eu deveria estar louco de adrenalina, mas
foi bem mágico:
―Oi eu sou o Theodoro Martins Alvares. Eu tenho uma reunião
com o Senhor Bento.
―Ele vai te receber em um minutinho. O senhor pode aguardar
sentado ali.
O minutinho se transformou em aproximadamente uma hora
quando finalmente escutei o barulho de uma porta se abrindo e algumas pessoas
caminhando. Para minha surpresa uma dessas pessoas era o próprio comandante
Fúlvio. O chefe do Gregório passou por mim fardado e apenas me cumprimentou com
a cabeça, seguindo o seu caminho.
O escritório do chefe da redação ficava nos fundos. Passei
por mesas cheias de papel onde alguns jornalistas digitavam freneticamente e
outros discutiam na frente do computador algumas coisas que eu não conseguia
entender.
Na sala do editor havia vários arquivos e uma mesa cheia de papel.
Meu coração quase saiu pela boca quando eu reparei que entre os livros na mesa
estava uma cópia do Violeta, com um marcador de página indicando que a leitura
já havia passado da metade. Será que era uma cópia comprada pelo comandante
Fúlvio? Será que ele tinha visto isso por acaso? Ok, eu vou vomitar se alguém
não falar nada!
―Vejo que aqui está o Theodoro Alvares! ―O editor chefe
quebrou o silêncio ― Você é um filho da puta rapaz!
―Como assim?
―Você está na cidade pelo menos seis meses e só agora vem
mandar seu currículo?
―É que eu não estava pensando em ficar aqui e tudo mais...
―Você está escrevendo seu novo livro sobre a cidade?
―Eu...
―Você não pretende difamar a cidade não é?
―Não eu...
―A editora me disse que você está mandando os rascunhos eu
queria saber o que tem neles!
―Como?
―Tentando desconversar não é?
Que conversa de louco era aquela? E como assim, eu não
escrevi uma linha nova, como a editora tinha rascunhos? Sidney? Bom enfim...
Depois eu iria ficar sabendo de qualquer forma. Mas agora e essa conversa? Ele
estava achando que eu iria escrever alguma coisa esculachando Santa Clara?
―Olha senhor Bento. Primeiro eu amo Santa Clara. É uma
cidade linda realmente, eu nunca, em hipótese alguma escreveria algo ruim sobre
a cidade. Porque eu amo Santa Clara e... Aqui é o lugar onde eu quero passar
muito... Mas muito tempo mesmo.
Eu devo ter soado muito sincero, no final das contas ele
encostou-se à cadeira e sorriu:
―Garoto, escute, eu estava discutindo isso com o Fúlvio
agora mesmo. Você o conhece?
―Ele é o comandante da guarda civil não é? Meu... Primo ―
Doeu ― trabalha lá.
―Sim e ele também é meu amigo de longa data. De certa forma
ele é o responsável por você estar aqui agora.
Eu fiquei em silencio sentado na cadeira.
― Fúlvio me disse que um jovem escritor estava na cidade
para buscar inspiração para seu próximo livro. Eu realmente temia que você
acabasse falando algo desagradável da cidade, no final decidi ler seu livro.
―E o que o senhor achou?
―Genial!
―Genial?
―Genial. É um dos melhores livros de mistério que eu li nos
últimos anos. Você é ótimo rapaz incrível mesmo. E na minha humilde opinião,
você tende a crescer muito!
―Obrigado.
―Eu e o Fúlvio concordamos que um jovem promissor como você
tem que criar raízes em Santa Clara, então eu fiz uma pequena pesquisa. Theodoro Martins Alvares, 25 anos, formado em
jornalismo. Nunca exerceu a profissão e nem demonstrou interesse. Nunca fez
nenhum concurso, Nunca trabalhou com comunicação em nenhuma área. De fato a sua
única fonte de renda tem sido seu livro. Que por sorte tem vendido o suficiente
para você manter uma vida razoável. Eu tomei a liberdade de falar com seu
agente literário, na intensão de marcar uma entrevista, ele me disse que você
estava viajando para uma convenção no exterior, o que é claramente uma mentira,
então você está tentando passar por despercebido aqui.
―Nossa, eu não sabia que eu valia toda essa pesquisa.
―Nós ainda não sabemos se você vale mesmo. Mas de uma coisa
temos razão, Santa Clara precisa de você. Precisamos de um jovem escritor que
em longo prazo possa trazer prestígio a essa cidade e é por isso que eu quero
lhe oferecer um emprego aqui na Gazeta de Santa Clara.
―Bom, eu preciso mesmo de uma fonte extra de renda e eu
estou realmente planejando me fixar por aqui.
―Ótimo. Não temos nenhuma vaga como repórter, mas me diga,
quais são suas experiências com diagramação?
―Não sou muito bom, mas eu aprendo rápido.
―Você vai ter que aprender realmente rápido. Segunda feira
eu quero que você se apresente no começo do expediente como assistente de
diagramação, é a única vaga disponível no jornal agora. Com o tempo você pode
conseguir o posto de repórter.
―Nossa, Estou sem palavras.
Bento pegou o meu livro na mão e disse um: “Elas estão todas
aqui”. De fato fiquei assustado como meu livro tinha facilitado. Mas agora uma
nuvem começava a surgir no meu céu perfeito. Eu não pretendia publicar mais
nenhum livro. Eu já estava em Santa Clara para fugir do Violeta, mas agora por
causa dele eu tinha conseguido um emprego, e nesse emprego, a promessa de que
eu seria mais um ilustre cidadão de Santa Clara, um jovem escritor que narraria
às belezas das praças e parques da cidade. Isso não estava certo.
Comecei a sentir uma pontada da ansiedade que me fez vir
para cá em primeiro lugar. Entretanto, eu já tinha o emprego, isso era um
problema que eu contornaria, cedo ou tarde, Talvez eu escrevesse algumas
poesias bem bucólicas sobre Santa Clara, reuniria em um livro medíocre e publicaria.
Isso deixaria o senhor Bento feliz, o comandante Fúlvio Satisfeito e renderia a
mim e a Peggy muitas risadas. O Greg provavelmente acharia alguns poemas
bonitinhos.
Despedi-me do redator chefe da gazeta de Santa Clara e fui
guiando a vespa pela cidade lentamente ainda processando tudo. O céu não estava
tão claro quanto estava hoje de manhã, nem o ar tão leve assim, afinal quando
achamos que um problema acabou, na verdade ele apenas foi substituído por
outro. Eu sabia que no fim daquele dia, quando me deitasse na cama com o Greg e
me aconchegasse no peito dele, tudo ficaria mais claro. Eu precisava do abraço
forte dele em caráter de urgência. Porém quando olhei no relógio vi que eram
quase duas e meia da tarde.
Já era tarde demais pra almoçar, decidi fazer um lanche
qualquer numa padaria aleatória e voltar pra casa. As sacolas estavam do jeito
que as deixei. O camarão descongelado na pia retornou para o congelador.
Comecei a arrumar todos os objetos que encontrava no caminho como uma maneira
de esvaziar minha mente e não pensar que a partir de agora eu tinha contraído
um débito com Santa Clara. A cidade havia me dado um emprego, um lugar na sua
sociedade, em troca eu deveria eterniza-la em uma narrativa. Acho justo. Vou
pensar em algo, mas não agora.
Fui arrumar o quarto do Greg, ele havia chego e pra variar
jogado a roupa em cima da cama. Dei uma cheirada no uniforme dele, o cheiro
doce do suor do Greg estava lá, era melhor colocar aquela troca de roupa na
máquina. Quando puxei as calças dele vi sua carteira cair e esparramar papéis e
documentos por todo o chão. Dinheiro que é bom...
Recolhendo os papéis do Greg eu só dava risada. Que tipo de
pessoa guarda todas as notas fiscais da vida na carteira. Havia algumas bem
velhas até já apagadas... Mas... Havia uma que me chamou particularmente a
atenção...
Numa nota fiscal branca de papel simples estava anotado um
número de celular. O mais curioso é que estava dobrado de forma que o número
estava destacado e perfeitamente encaixado no fundo da carteira de forma que
não estava amassado. Parecia que realmente estava guardado para alguma ocasião
vindoura.
Eu desenrolei a nota fiscal e na verdade tratava-se na nossa
compra de bebidas para a festa da Peggy. Decidi guardar aquela nota comigo, sem
nenhum motivo maior. Agora eu tenho outras coisas pra fazer. Coloquei a carteira do Greg sobre a cômoda e a
calça junto com a roupa suja. Segui para o meu quarto, me sentei na frente do
computador e respirei fundo. Era hora de escrever meus termos de rendição. Um
e-mail para meu agente explicando minha situação, minha desistência de escrever
qualquer coisa cedo ou tarde, e um pedido bem sem vergonha para que ele me
ajudasse em qualquer consequência.
To: sydneyaventura@msaeditora.com.br
From: teoalvares87@gmail.com
Subject: desculpas
Sidney
Quero me adiantar a respeito do nosso acordo. Não sei como
você está se virando com essa minha fuga, ou se ainda está se virando, mas não
posso deixar de perceber o quanto fui idiota com você. Desculpa te deixar na
mão amigo, mas o fato é que não consegui escrever uma linha sequer nesses seis
meses.
Estou aqui declarando minha desistência. Dentro de uma semana ou duas pretendo retornar para a cidade onde lhe contarei todas minhas desventuras. Me liga nesse numero 51 88021213, vamos combinar nosso encontro. Creio que vou precisar da sua ajuda para arrumar tudo.
Estou aqui declarando minha desistência. Dentro de uma semana ou duas pretendo retornar para a cidade onde lhe contarei todas minhas desventuras. Me liga nesse numero 51 88021213, vamos combinar nosso encontro. Creio que vou precisar da sua ajuda para arrumar tudo.
Desculpas mais uma vez
Téo
Meu dedo pulsou sobreo “Enviar”, mas por algum motivo eu
pensei “Deixa pra segunda-feira”, basicamente essa era minha reação imediata a
qualquer problema que surge pra mim num sábado. Salvei o e-mail como um
rascunho. Relaxei na cadeira com a nuca apoiada nos braços e respirei fundo.
Olhei para os lados procurando algo para fazer. Meu estômago estava em chamas e
eu não sabia o motivo. Olhei para a notinha fiscal sobre a mesa. Era aquilo que
não encaixava. Greg guardava tudo que era lixo na carteira dele. Mas tudo vivia
amassado e jogado de qualquer forma. Aquele era o único papel que estava
dobrado e encaixado perfeitamente.
Desdobrei o papel o analisei. Era a parte da compra que o
Greg passou no caixa. Havia o numero do depósito de bebidas, bem como o
endereço impresso no cabeçalho da nota fiscal. No verso o numero de telefone
escrito com esferográfica azul. Um pouco tremido, sinal de que foi escrito
sobre uma superfície irregular, como a mão de alguém ou coisa do tipo. Era um
celular. O monstro dos olhos verdes do ciúme me fez lembrar que a caixa havia
anotado alguma coisa e entregue pro Greg enquanto ela dava algumas risadinhas.
Só por curiosidade eu decidi ligar. Deve ser o celular da
entregadora 24 horas ou coisa do tipo. Eu não preciso viajar. O Greg não estava
guardando o celular de nenhuma periguete. Vou ligar e pedir uma garrafa de
vinho e vai ficar tudo cero. Isso mesmo.
Liguei.
―Alô ―Voz feminina.
―Boa tarde, é do depósito de bebidas?
―Não, é uma linha particular ― Voz nojenta de periguete no
cio. ― Você deve ter ligado errado.
― Perdão, de quem é esse celular?
― É meu mesmo. O senhor deve ter ligado errado. ― A Menina
desligou na minha cara sem ao menos dizer o nome.
Porque o Greg estava guardando o telefone de uma menininha
tão nojenta, tão mal educada, e grossa. Se não me engano Peggy havia pedido em
pelo menos duas ocasiões as notas fiscais. Ele a minha já havia sido entregue.
Ele Estava junto quando, com a carteira na mão quando ela pediu.
Minha cabeça funcionava a mil por hora. Eu preciso
desacelerar meus pensamentos antes que eu faça alguma besteira. Subi e entrei
no meu quarto sentei na cama e tentei fazer todos os tipos de cálculos, pensar
todos os tipos de porquês. Eu realmente queria ignorar, mas não dava. Eu ia
acabar perguntando.
A porta da frente abriu, e Greg passou por ela me
perguntando se eu estava em casa, eu não respondi ao primeiro chamado, mas
reparei que ele estava subindo as escadas, acabei respondendo a um segundo
chamado:
―No quarto.
Greg abriu a porta e se deparou comigo sentado na cama. Ele
ficou parado me encarando, e eu não sabia o motivo. Quando caiu a ficha. Eu
ainda estava com o celular numa mão, a nota fiscal na outra e eu estava
chorando.
Pode parecer exagerado, mas eu nem me toquei que meu
desespero chegava a esse ponto. Por alguns minutos eu me senti patético, como
se eu não tivesse valor nenhum. O que era mentira, só poderia ser mentira,
afinal eu estava em Santa Clara havia quase seis meses, boa parte desse tempo
eu estava com o Greg, eu vi pessoas flertando com ele, vi ele as recusando. Mas
um telefone guardado na carteira, num papel que ele deveria ter se livrado há
muito tempo. Isso não estava certo mesmo:
― Isso caiu da sua carteira, enquanto eu levava a roupa suja
pra máquina.
Greg passou a mão no cabelo e pegou a nota fiscal. Ele sabia
do que se tratava, não dava pra desconversar, ele sabia exatamente do que se
tratava:
― Eu sabia que você ia entrar em parafuso quando caso
encontrasse isso. Foi só um flerte daquela menina do caixa no depósito. Não tem
nada de mais, eu nunca liguei pra esse número.
―Quem me garante? ―A frase saiu sem pensar, dois segundos
depois eu já estava arrependido de ter dito.
―Como assim?
―Greg, acho que pra todo mundo ao seu redor eu sou ou seu
primo ou o cara que aluga um quarto na sua casa, sendo assim, se você quiser
ficar com outras pessoas, nada te impede. Mas, eu até hoje pensei que isso
nunca aconteceria. Agora com esse número de telefone, que segurança eu tenho?
―Primeiro você tem que aprender a confiar um pouquinho mais
em mim, se eu disse que não sou bom em me relacionar com as pessoas, é porque
eu realmente não sou bom caramba.
―Ótimo, certíssimo, e você vai usar isso como desculpa
sempre que pisar na bola? Cada vez que me chamar de primo pra algum conhecido
seu? Cada vez que desviar de qualquer toque meu? Você quer alguém pra foder de
noite e ser o player 2 de dia? Quer que eu pegue no gol?
―Nossa como você ficou amargo do nada. Eu vou entregar essa
nota fiscal pra Peggy.
―Greg, é a ultima chance.
―Como?
―Essa é a ultima vez que vou tolerar uma palhaçada dessas,
eu não quero saber, não vou ser seu namoradinho de dentro de casa.
―Téo, não perca seu tempo me dando um ultimato. Você sabe
dos meus sentimentos por você, não fica colocando demônios na sua cabeça.
―Então não me dê motivos pra criar demônios. ―Encarei o Greg
olhando nos olhos dele, me aproximei e peguei o recibo das mãos dele. ―Eu vou
tomar banho agora, me chama a hora que você quiser ir pro Peggy’s.
―Theodoro, para de drama, vai dizer que você não flertou com
ninguém?
―Eu gosto de você Greg. Eu gosto de você, não de uma vadia
qualquer que me atende no supermercado.
―Vai me dizer que você não gosta que flertem com você!
―Eu gosto Greg, eu gosto muito, faz muito bem pro meu ego.
Mas eu não me sinto na obrigação de retribuir a todo mundo.
Greg ficou em silêncio. Eu acho que acabei de aplicar um
golpe em seu ponto fraco. Segundo Peggy
ele tinha um sério problema de auto aceitação, eu não sei até que ponto minha
compreensão admite isso. Uma coisa é receber um flerte, outra é corresponder,
outra mais séria é guardar um número de telefone por alguns dias, com a
promessa de usa-lo. Se ele tinha um número na carteira, será que ele não teria
no celular? Será que ele não teria
bilhetinhos salvos em algum lugar do seu quarto? Será que eu não teria apenas o
sortudo que por ventura, flertou com ele e acabou morando sobre o mesmo teto.
Será que ele via nosso namoro como uma recompensa pelo fato de eu o achar
atraente:
―Vou pro meu banho Greg. A hora que você for pro Peggy’s me
chama Ok.
Deitei na banheira e deixei água quente cair sobre mim,
decidi que não iria mais pensar em nada até que amanhã. O dia que havia
começado tão bem ficou turvo e nebuloso. Era como se eu não conseguisse mais
projetar nenhum futuro.
Fiquei pelo menos meia hora na banheira, havia separado uma
troca de roupa simples, afinal era o Peggy’s e se a noite do microfone aberto
era tão movimentada, era praticamente obvio que eu iria trabalhar. Jeans, camiseta
preta e tênis. Minha escolha básica. Completamente vestido eu me sentei na cama
e comecei a rabiscar as revistas.
Não demorou muito tempo e Greg bateu na porta do meu quarto
dando sinal de que já estava indo. Ele não me esperou, apenas desceu as escadas
e seguiu seu caminho até o carro.
― Carro? Mas o bar é aqui do lado!
― Ela sempre precisa buscar alguma coisa.
Melhor não buscar mais discussão. Entrei no fusca azul do Greg. Ele estava com a cara meio injuriada, provavelmente
por causa da discussão, eu também não estava na minha melhor aura, pra falar a
verdade eu não queria nem um pouco ir ao Peggy’s hoje, eu queria... Sei lá,
tomar um sorvete e ver televisão. Sexo talvez?
Era cedo e não tinha nenhum freguês no bar. Um rapaz de
cabelos escuros e encaracolados, nariz pontudo e olhos também escuros estava
debruçado no balcão. Aquele deveria ser
o Argentino, Peggy estava ao seu lado brincando com seus dedos e tento uma
conversa bem intima. Ela sorria bem boba. Era bacana ver os dois juntos.
Greg deu um tapa no ombro do rapaz:
―Ramonzito, há quanto tempo hein hijo de puta!
―Fala maricón devo
estar a uns dois anos sem vir pra cá e te dar uma surra no Fifa.
―Meninos fazendo coisas de meninos ―Suspirou Peggy ― Ramon,
esse é o Téo.
Ele esticou a mão pra mim e apertou com força, ele parecia
ser bem simpático:
― Você é o namorado do Gregório então?
―Sim...
Fiquei sem fala, era a primeira vez que alguém colocava
nesses termos, bom, nós éramos praticamente casados nessa altura do campeonato,
sendo assim, eu achei até válida a observação do moço. Dei uma olhada para o
Greg, ele parecia um pouco incomodado com a situação, eu resolvi deixar de
lado. Ele poderia andar com o telefone de dez mil raparigas na carteira, mas no
fim do dia era na minha cama que ele iria dormir.
— Tem algum serviço pra gente agora Peggy? — Greg já
tentando desconversar.
— Na verdade eu e o Ramon já adiantamos quase tudo, a
Priscilla chegou agora a pouco e já assumiu a cozinha, eu vou cuidar do balcão,
o Ramon do som e das apresentações. Só peço pra vocês ficarem disponíveis para
o caso de uma emergência.
Sentamos numa mesa no canto eu e Greg, os dois de cara
fechada, Deixamos espaço pra que Peggy e Ramon namorassem:
— Você ficou puto com o fato de eu ter concordado com o
Ramón?
— Não Téo, eu só não estou acostumado com a ideia de ter um
namorado, só isso.
— Então você concorda que isso é um namoro?
— Quando eu discordei?
De fato, ele nunca havia negado que tínhamos uma relação.
Apesar de nunca ter assumido.
—Só quero saber se depois disso eu vou ser seu namorado ou
seu primo?
—Nossa hoje você está afiado hein Theodoro. Puta que o
pariu.
— Desculpa Greg.
Ele bufou, balançou a cabeça e fez um gesto indicando que
tudo bem. Depois de um tempo ele levantou da mesa dizendo que precisava de uma
cerveja. Fiquei sozinho e amargando na mesa. Peguei a nota fiscal e fiquei
olhando. Decidi entregar o papel e contar a história pra Peggy. Mas Greg estava
no balcão pegando a cerveja com o Ramon, os dois conversavam bem animados. O momento passou.
O Peggy’s lotou em pouco tempo e as apresentações começaram,
entre um “Toca Raul” e um cover mau feito de Mamonas Assassinas tudo corria de
uma forma tranquila, Peggy cuidava do bar com uma ajudinha do Greg, Ramón
corria as mesas anotando as próximas apresentações. Cansado de ficar na mesa,
eu fui para o balcão:
— Ué, deixou a mesa vaga por quê? — Disse o Greg enquanto
atendia.
— Não é melhor eu vir pro balcão e deixar a mesa pra quem
está acompanhado? — Greg me deu uma encarada feia. — Eu sei que você está trabalhando.
A hora que aliviar aqui a gente senta lá fora. Lá está mais fresco e tem várias
mesas.
Ele repetiu o gesto de bufar e dizer que está tudo bem.
Peggy chegou nesse momento colocando a mão sobre o ombro do Greg e falando
alguma coisa no ouvido dele. Com um aceno positivo com a cabeça ele passou para
o lado de fora do balcão e se sentou do meu lado:
— A Michele e a Ângela chegaram e vão cobrir o bar hoje
Peggy disse pra que eu curtisse a noite.
O lado bom de sentar no balcão do Peggy’s em noite de casa
cheia: Bebida a rodo! Sempre que alguém esquecia que tinha pedido um drink ela
o trazia para a gente. Eu já estava na segunda caipirinha e o Greg
experimentava um mojito.
Ou eu estava muito bêbado, ou a qualidade das apresentações
havia melhorado surpreendentemente. Um cover ótimo de Beatles, um comediante
Stand-up e até uma contorcionista. Durante cada um desses atos eu tentava me
aproximar do Greg, pegar na mão dele, me encostar nele, mas ele recuava:
—Quer parar de ser pegajoso?
—Tudo bem Primo. — Respondi com toda a ironia possível
—Pra mim deu, eu vou fumar um cigarro.
Ele saiu e foi pra área do fundo onde era permitido fumar,
eu fiquei sozinho no balcão de cabeça baixa, até sentir alguém bagunçando meu
cabelo. Era Peggy:
— Problemas no paraíso?
—Hoje tá foda Peônia. Hoje tá foda.
Contei da nota fiscal e das trocas de farpas entre eu e o
Greg que duraram o dia inteiro. Contei do emprego, Contei do livro. Peggy me
escutou com atenção, mas quando ela foi abrir a boca pra falar algo, o barulho
de uma garrafa quebrando e uma das meninas chorando com um corte na mão tirou
toda a atenção da Peggy:
— Quer ajuda?
—Não, eu me viro, é um corte superficial, vou à cozinha
fazer um curativo. E você, vai com calma, tem dias que coisas ruins podem
acontecer do nada, por motivos estúpidos.
Peggy e a menina do dedo cortado entraram na cozinha e eu
fiquei sozinho no balcão mais uma vez. Esse cigarro do Greg estava longo, ele
deveria estar lá fora a mais de meia hora.
Coming out
of my cage and I've been doing just fine
Gotta,
gotta be down, because I want it all
Os acordes começaram a tocar. Os primeiros versos. Era Mr.
Brightside. Meu coração ficou
apertado.
It started
out with a kiss, how did it end up like this?
It was only
a kiss, it was only a kiss
Eu precisava encontrar o Greg agora, fui até a área de
fumantes e ele estava conversando com duas garotas. Meu sangue começou a
esquentar. Entre uma tragada e outra do cigarro, elas tocavam em seu braço,
brincavam com seu cabelo, riam e ele concordava com tudo isso.
Now I'm
falling asleep and she's calling a cab
While he's
having a smoke and she's taking a drag
Now they're
going to bed and my stomach is sick
Eu fiquei sozinho no balcão, enquanto isso ele se divertia
com duas vadiazinhas de bar? Uma das garotas pegou um cigarro do Greg e usou o
cigarro já aceso nos lábios dele para acendê-lo, eu estava empedrado na escada
vendo essa cena.
Se eu não tivesse saído lá fora, ele teria levado as duas
para casa, provavelmente transaria com elas na nossa cama, Se eu não parasse
com isso agora.
And it's
all in my head
But she's
touching his chest now
He takes
off her dress, now, let me go
And I just
can't look, it's killing me
And taking control
Meus pés pareciam granito, os passos eram pesados, a
respiração não vinha, a vista tremia. Eu era o brinquedo dele? Eu era a piada
dele?
Jealousy
Turning
saints into the sea
Swimming
through sick lullabies
Choking on
your alibis
Ele não conseguia demonstrar sentimentos em público. Ele era
uma pessoa reservada e fechada. Ele não era bom com intimidade e não queria
criar lassos com outras pessoas. Até que
ponto isso era verdade? Será que pensar isso não é mero otimismo?
But it's
just the price I pay
Destiny is
calling me
Open up my
eager eyes
'Cause I'm Mr. Brightside.
Uma das meninas nesse momento enfiou no nariz na barba do
Greg e por um instante eu poderia jurar que houve um beijo bem embaixo do
queixo do meu namorado. Meu sangue ferveu, meus olhos tremeram de raiva. Eu não
consegui pensar direito. A última frase que Peggy me disse veio à cabeça. “vai
com calma, tem dias que coisas ruins podem acontecer do nada, por motivos
estúpidos.”
Nesse momento Greg me viu plantado a pouco mais de dois
metros dele, eu vi a cor dele sumir, o vi ficar sem ação. Nesse momento eu vi
tudo. Eu era apenas o brinquedo do Gregório, alguém que ele pudesse contar
durante a semana pras necessidades físicas imediatas, mas da porta pra fora eu
era apenas o colega de quarto, o primo, o cara que aluga um cômodo na casa. Eu
não estava feliz com isso. Eu não ia me prestar a esse papel.
— Até mais Gregório.
Foi tudo que eu consegui dizer.
A mureta da área de fumantes tem aproximadamente um metro,
depois dela tem um jardim comunitário mantido por todas as casas do quarteirão
e posteriormente o quintal do Greg cercado por uma mureta de igual tamanho.
Sendo que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta. Eu pulei a
mureta da área de fumantes, e comecei a atravessar o jardim comunitário. Eu
escutava meu nome sendo chamado ao longe. Mas nesse momento eu só queria minha
cama, eu só queria estar longe. Eu só quero estar longe daqui...
Um segundo salto e estava no quintal do Greg, procurando a
chave escondida no gnomo de jardim, quando uma mão forte me puxou e me fez
olhar para frente. Greg havia feito o mesmo caminho e me alcançado.
— Téo, você está bem? Toma uma água e vamos voltar pra
festa, não tem motivos pra você ficar bravo, ela só estava brincando...
Eu não consegui escutar mais nada...
— Eu não sou seu brinquedo... — disse baixinho pra mim mesmo
— Como é?
—Eu não sou seu brinquedo— Disse agora em um tom mais claro
—Para com essa história e vamos voltar pro bar, vem.
—Gregório eu não sou seu brinquedo – Meu punho se fechou e
eu desferi um murro contra seu estômago. Greg sem fôlego caiu no chão do
quintal e eu sem saber o que fazer corri para meu quarto.
Ele me amou. Em algum momento ele disse que me amou.
Ele me quis. Em algum momento eu sei que ele me quis.
Ele me desejou, eu sei disso.
Ele ficou desconfortável. E quem não ficaria com essa pessoa
grudenta e carente que sou.
Mas acabou.
Meu amor.
Minha fuga
Adeus Greg...
….
…....
Duas pessoas sozinhas no banco de uma praça olham para o
horizonte, sem uma palavra as duas sabem que tudo acabou... Tudo acabou... Como
é o ponto final de uma história de amor?
Uma lágrima?
Uma Lagrima.
Lá estava eu deitado na cama, com o antebraço cobrindo os
olhos e chorando. Quando a ideia de uma lagrima, a cena de duas pessoas em
algum parque de Santa Clara conversando sobre o fim. Eu precisava escrever.
Foram horas sem fim, não senti fome nem sede. Eu apenas
escrevi. Um arco se formou na minha mente. Meu coração palpitava, as lágrimas
caíram. Eu nem sei em quem eu pensava, ou no que. Eu só escrevia. No fim lá
estava.
To: sydneyaventura@msaeditora.com.br
From: teoalvares87@gmail.com
1 Anexo: sem título.docx
Subject: desculpas
Sidney
Quero te pedir desculpas pela demora. Acabei escrevendo qualquer coisa. Acho que
pode dar certo. Não revisei, nem corrigi, você pode cuidar disso pra mim, não
tenho cabeça pra mais nada.
Devo chegar amanhã cedo. Nem sei que dia é hoje, mas enfim,
me liga no seguinte número: 51 88021213 caso queira mais detalhes. Assim que eu
chegar em casa te ligo.
Desculpas mais uma vez
Téo
Meu bloqueio acabou.
Minha fuga acabou.
Adeus Santa Clara
Adeus Gregório.
GENTE!! Para a vida! Como assim você terminou o negócio assim?!
ResponderExcluirSe já escreveu a segunda parte, por favor, postar o mais rápido possível, se não pode sentar essa bunda na cadeira e começar já.
Eu amo o seu livro, cara!