segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Capítulo 6 “(Me) Pegar ou largar” 2ª Parte


Ficamos sentados na escada por mais ou menos umas duas horas depois disso. Eu realmente queria ficar ali. Parado no tempo, minha mente tinha clareado e eu comecei a pensar que tinha exagerado com o Greg. Aquele comandante deve ser muito estúpido mesmo para ter engolido essa história de primos, ou, quem sabe, ele deve ser uma pessoa muito boa, ter percebido tudo e ter se deixado enganar para não causar nenhum constrangimento para o Gregório.  De qualquer forma, criei uma simpatia pelo comandante Fúlvio.
Depois de um tempo essa ideia de tão ridícula ficou cômica. Eu acabei soltando uma risadinha. Coloquei a cabeça entre os joelhos e comecei a dar risada. Greg achou que eu estava chorando:
― O que foi?
―Eu estou rindo.
―Do que?
― Dessa situação toda. Tem ideia o quão é estúpido você dizer que eu sou seu primo? Nós nem somos parecidos.
―E eu nem tenho tios pra ter primos ― Ele deu uma risadinha nervosa.
― Eu exagerei. 
―Não, você não exagerou. Você só estava sendo você mesmo.
―Meu lindo. ― Dei um beijo longo nele e ele se debruçou sobre mim na escada e começamos a nos pegar ali mesmo.
― Sabe que eu nunca beijei um primo meu. E olha que eu tenho uns lindinhos.
―Melhores do que eu?
―Não. Você é único.
―Sabe uma coisa que me contaram um dia?
―O que?
―Amor de primo é pra sempre. ―Eu comecei a rir.
― E sabe o que me falaram sobre isso?
―O que?
―Transar com primo é igual beber vodca barata.
―Por quê?
―Porque quando você faz. Não conta pra ninguém. E possivelmente no outro dia você terá uma dor de cabeça terrível.
Nós dois começamos a rir. Greg começou a falar com a voz mole “Ainda bem que você não é meu primo” e começou a tirar minha camiseta suada. Eu fui mais rápido e tirei a bermuda dele com os pés (pequeno truque eu conheço). Ele usava uma das cuecas que eu tinha comprado.  Beijei-o no pescoço e a barba dele me espetava.
Ia acontecer lá na escadaria mesmo. Mas escutamos a porta abrir e a voz debochada de certa ruivinha começou a ecoar pelas paredes:
―Meus senhores! Os senhores estão numa casa com três quartos. Façam isso em um deles.
Greg saiu de cima de mim e sentou de pernas cruzadas na escadaria. O coitado não sabia onde esconder a cara. Eu taquei minha camiseta na Peggy:
―Se não quisesse ver nada, batesse na porta pra entrar!
―Meus senhores, que baixaria, eu achei que estaria entre homens de classe.
―Vai para de graça. Fala logo o que você veio fazer aqui sua perdida.
―Olha esse aí. Até colocou uma lanterna na cueca ―Agora o Greg evaporava de vergonha.
―Eu... Vou tomar um banho... ―Greg ergueu a bermuda e saiu correndo para o banheiro.
―Banho... Sei... Téo eu vim pegar aqueles filmes que você me prometeu. E, além disso, eu tenho umas novidades bacanas pra contar, mas vamos esperar o Greg terminar o “banho” dele.
―Ok, está tudo no meu notebook. Vamos lá ao quarto que eu passo pra você. Trouxe Pen Drive?
―Oito gigas. Serve?
―Serve.
Peguei a Peggy pela mão e a levei para o meu quarto. Chegando lá eu encostei a porta e liguei uma música baixinha. Enquanto eu transferia os filmes para o seu pen drive, contei tudo que aconteceu no parque. Acabei desabafando sobre o comportamento do Gregório. Ela como sempre ouviu pacientemente:
―Eu não tiro a sua razão. Mas posso te perguntar uma coisa? Se ele tivesse te chamado de qualquer outra coisa, você teria ficado ressentido?
―Pra ser sincero, eu acho que se ele tivesse me chamado de amigo ou colega de quarto eu teria ficado menos nervoso, mas ainda sim descontente. Sabe... Eu realmente gosto do Greg, mas dentro de casa é uma pessoa, fora ele é outra. Ele me trata como o “bróder” dele na rua, daqui a pouco ele me pede pra “tocar aqui”.
Peggy deu uma risada. Era uma situação cômica falando a verdade. Mas eu não gostava disso. Uma vez dormi com um cara que me chamou de “mano” durante o sexo. Nunca mais liguei para ele. Não que ele fosse uma pessoa ruim, mas “mano”? Não se chama alguém que você se deita disso. Greg ainda não me chamou disso, mas ele estava me tratando como um amigo fora de casa e um namorado dentro. Eu quero ser o namorado dele em qualquer lugar. No fundo é isso que eu queria:
―Dê mais tempo pra ele. É a primeira vez que ele namora, acho que ele não sabe como lidar ainda. Fora isso não se esquece de que ele é completamente fechado com estranhos. Não é da personalidade dele andar de mãos dadas ou te colocar no colo. Mas... Eu creio que com o tempo ele vá sim ser mais seu namorado e menos seu “bróder”.
―Assim espero.
―Relaxa viado, vai dar tudo certo.
―Tomara travesti.

Peggy foleava minha anotações, enquanto eu transferia os filmes. Ela conhecia o Greg como ninguém. Era a única pessoa em que ele confiava:
―Peggy, quantas pessoas sabem que e o Greg é gay?
―Ele não é exatamente gay sabe. Como eu te disse, eu já o vi como homens e mulheres.
―Bissexual, que seja. Quantas pessoas sabem?
―Bom, ele já ficou com alguns amigos meus. Às vezes ele ficava com uns rapazes no Peggy’s então alguns fregueses mais comuns de lá sabem. Como eu te disse antes, não era raro encontrar vestígios de outras pessoas nessa casa. Mas eu já encontrei cuecas de um tamanho diferente até um Sutiã. No fundo acho que ele só recompensava as pessoas que lhe davam atenção. Sabe os pais dele viviam naquela loja, o Greg ficava sozinho em casa o dia inteiro. E, logo quando entramos no colegial, ele era muito feinho, da pra imaginar que ele tinha barba desde os 14 anos?
―Sério?
―Sério. Ele era magrelinho e tinha barbinha e era bem alto já. Então acho que quando ele cresceu mais um pouquinho que ele finalmente encorpou, ele passou a “recompensar” as pessoas que demonstravam interesse. Claro que é como eu te disse. Ele vivia se machucando com isso.
Peggy tratava o Greg como alguém a ser protegido. O eterno lobo solitário. Claro que eu pude me identificar um pouco. Os longos jantares em que eu, meus pais e meu irmão comíamos uma refeição inteira sem trocar uma palavra. Meu irmão sempre me tratando como um inferior, muitas vezes pelo simples fato de eu não querer ir a uma festinha de estudantes. Meus pais me olhavam com condescendência. “Pobre Téozinho, não consegue se enturmar com o resto da turma, será que deveríamos procurar um psicólogo?”, “É só uma fase, logo passa”. Mas a fase nunca passou. De fato eu me esqueci dos meus colegas de escola muito rápido. Até que em uma bela festa da faculdade, um rapaz troncudo, sorriso largo, olhos escuros como a noite chegou para mim e disse: “Nossa como você é gato.” Eu perdi minha fala por alguns segundos. Senti um calor no peito, mas nunca tinha me interessado por nenhum rapaz antes. Eu apenas soltei a primeira frase de agradecimento que me veio à cabeça.  “Fico lisonjeado”. Ele deu uma risada longa, me pegou pelo braço e me apresentou para seus amigos. Não preciso dizer que esse rapaz era o Gio. Mas quando ele me apresentou para aquelas pessoas, eu finalmente consegui aquilo que Peggy chamava de “Crianças da Cidade Velha”. Um grupo de desajustados e problemáticos que não se misturavam com ninguém, mas que no fundo se amavam e se respeitavam.
Talvez eu, Peggy, Greg, Gio e as demais crianças da cidade velha não passassem de um bando de nerds, problemáticos, desajustados, gays, e antissociais. Mas quando estávamos juntos em nosso mundo fechado vivíamos num paraíso. Seja no barzinho da esquina da faculdade, em nossos apartamentos ou no velho mirante de Santa Clara. Eu fiquei pensando nisso por algum tempo. Pensei em todas as vezes que, assim como Greg, fiquei com pessoas só para não ficar sozinho. E como isso machuca muito. Tudo que eu menos quero é machucar o Gregório. Mas não quero que ele me machuque.
Já estava quase terminando de transferir os filmes quando bateram na porta do meu quarto. Era o Gregório de cabelo molhado cheirando a banho recém-tomado. Ele entrou e se sentou ao lado da Peggy na cama. Começou a fuçar entre meus livros e rascunhos até encontrar uma cópia do Violeta. De fato era a cópia dele que estava no escritório, mas que eu inconscientemente coloquei no meio das minhas coisas:
―Seu livro?
―É.
―Se importa se eu ler?
―Não.
Peggy estava mais interessada na minha edição americana de Scott Pilgrim. Eu havia terminado de transferir todos os arquivos:
 ―Pensa rápido ― Taquei o pen drive para Peggy que o pegou no ar.
―É você nessa foto? ―Greg apontou para a foto da minha biografia na orelha da contracapa.
―Pois é. Melhorei um pouco não acha.
―Você está com muito cara de jovenzinho nessa foto.
―Meu não avacalha.
―Ai deixa eu ver, deixa eu ver. ―Peggy pulava na cama como uma criança.
Os dois davam risada da minha foto, o que me levou a tomar o livro do Greg e coloca-lo em uma gaveta na escrivaninha. Joguei o corpo para traz e me afundei na cadeira da escrivaninha. Greg era realmente outra pessoa quando estava entre amigos. Queria que ele fosse assim sempre.
―Bom. Como eu disse, eu estou com duas novidades das boas. ―Peggy ficou de pé na minha cama fazendo pose como se estivesse no palco. ―Primeiro: Daqui a dois sábados eu farei uma noite do microfone aberto no Peggy’s.
― Uhul! Bravo! ―Greg aplaudiu.
―Mas que porra é essa?
―É uma noite onde qualquer um pode se apresentar, por cinco minutos, no palco do Peggy’s. Seja contando piadas, cantando, dançando e teve uma vez que até uma mina fez strip-tease. Se por acaso a pessoa for muito ruim. Eu de lá do balcão, disparo uma sirene. É muito comédia.
― E quem manda bem ganha uma cerveja. ―Completou Greg.
―Essa é a noite que mais dá trabalho, e eu só faço isso umas duas vezes por ano. Eu geralmente chamo mais umas duas pessoas pra me ajudar. E até o Greg entra na dança.
―Então você veio aqui pra pedir nossa mão de obra né sua mafiosa. ― Taquei uma almofada na Peggy.
―Claro que não e isso tem a ver com minha segunda novidade. Gregório seu pervertido advinha quem está voltando para Santa Clara e dessa vez para ficar!
―Quem?
―O Argentino!
―Ah! Não brinca! O Ramón vai voltar pra Santa Clara?
―Quem é esse? ―Eu apenas boiando. Greg se levantou e me abraçou por trás, colocou o rosto no meu ombro e disse:
―O namorado da Peggy.
Eu fiz uma cara de susto, nunca tinha me passado pela cabeça que Peggy tivesse um namorado. De fato, Greg era reservado, mas Peggy conseguia ser muito mais reservada que ele:
―Como assim você tem um namorado e você não me conta?
―Você nunca perguntou ué.
―Mas agora você conta essa história direito.
―Bom como começar. Lembra que eu te contei sobre as crianças da cidade velha. Bem o Ramón era filho de um casal de artesãos argentinos que se mudaram para cá e vendiam peças pras boutiques de toda a região. Quando ele se mudou para cá não falava uma palavra em português, ai ninguém queria fazer amizade com ele. Daí ele se juntou com a gente. Nós tomávamos vinho de garrafão no mirante e quando fizemos 15 anos ele me pediu em namoro. Eu aceitei. Mas quando terminamos o colégio, os pais dele tiveram que voltar pra Buenos Aires e ele foi junto, tentar fazer faculdade. Nós tentamos levar um namoro à distância, mas na época não deu muito certo. Então decidimos que rolaria um namoro aberto. Eu fico com quem eu quero, Ele fica com quem ele quer, mas quando estamos na mesma cidade nós só ficamos um com o outro.
―E isso funciona?
―Não muito. Não vou pra cama com ninguém há dois anos.
―E você acha que ele não foi com pelo menos outras 10 nesse período? ― Gregório mostrando seu lado Bitch. ―Ele é um rapaz bem afeiçoado.
―Greg você pode chamar um cara de bonito se você quiser. Eu não me importo coração. ―Dei um tapinha leve no ombro do Greg que deu uma risadinha de cumplicidade.
―É eu sei, mas eu não consigo ir pra cama com nenhum outro cara e não ver a cara de cachorro recém-caído do caminhão de mudança dele. ― Peggy abraçou a almofada e rolou pela cama e depois tacou a almofada em mim.
―Ok. E quando é que ele chega?
―Semana que vem.  Ao que tudo indica ele vai dar aula de violão no Instituto de artes de Santa Clara.
―Ele conseguiu entrar no instituto? Nossa que legal.
―O que diabos é o instituto?
―É como se fosse uma escola de artes, eles ensinam música, canto, pintura, escultura, dança, desenho e tudo mais.
―É mantido pelas irmãs e é uma escola conceituadíssima. ―Greg como sempre completando.
―Bom, que sorte a sua hein Peggy. Não tem nada pior do que a pessoa que a gente gosta estar longe. ―Não tive como não me identificar.  Eu sei que Buenos Aires pode ser atingida de carro ou ônibus, mas com certeza era a mesma coisa que o Gio em algum lugar da Itália. ― Por sorte a pessoa que eu gosto está bem aqui nesse quarto. ― Prendi a cabeça do Greg com meu braço e dei um cascudo nele. Ele respondeu me dando uma chave de braço ―Para... Machucando...
Ele me soltou e eu o joguei na cama:
―Meus senhores. Tem uma dama nesse quarto!
―Quer brincar também? ―Taquei outra almofada na Peggy.
―Menage? Hoje não.
―Ah, mas eu vou te pegar. ― Greg agarrou Peggy e começou a fazer Cócegas na costela dela.
Eu abracei os dois e caímos os três na cama. Eu dei um beijo no rosto da Peggy e um Selinho no Greg. Ele deu um beijo na Testa da Peggy e me devolveu o selinho. Peggy mais ousada nos deu um selinho em cada um. Ela se levantou e caminhou até a porta:
―Hoje eu vou ver uns filmes. Amanhã eu começo a cuidar dos preparativos para a noite do microfone aberto. Eu vou precisar de um estoque reserva. Vocês poderiam me ajudar pegando umas bebidas na cidade nova né?
―Como quiser. ― Respondeu Greg.
―Ótimo. Eu te empresto a caminhonete.
―Você tem uma caminhonete?
―Téo, você não sabe nada sobre minha pessoa mesmo hein. Até mais garotos. Vou deixar vocês Dor-mi-rem...
Ela saiu falando a palavra “Dormirem” cada vez mais baixo pelo corredor. De fato não dormimos aquela noite.