Ai... Eu não faço a mínima ideia de como vou começar a falar
sobre isso. Então vou começar com uma simples apresentação.
Meu nome é Theodoro Alvares. Tenho 27 anos, formado em
jornalismo com ênfase em história do jornalismo. Não exerço a profissão, como
muitos dos meus antigos colegas, entretanto, ao contrário deles, consegui fugir
dos escritórios de comunicação e secretarias de imprensa. Tudo começou um ano
após o termino dos meus estudos.
Na época eu tinha 22 anos, tinha acabado de me formar, e há
um ano, sem sucesso, procurava emprego nas redações dos jornais da região.
Entre um bico e outro eu comecei a dar forma ao meu ultimo grande feito. Mas
vamos aprofundar mais. Desde pequeno eu sempre amei ler. É curioso, pois, maior
parte das crianças que andavam comigo preferiam ver um desenho animado, mas eu
sempre preferia um bom livro. Comecei lendo os livros de uma série chamada
“Coleção Colibri”. Livros curtos, com menos de 110 páginas com, a cada 10 ou 15
páginas uma grande gravura ilustrava parte na narrativa, perfeitos para jovens
leitores. Eu me lembro de ter lido a maior parte da coleção nos últimos anos do
ensino fundamental, Dentre todos eles, o que eu mais amava era “A Borboleta do
Inferno”. Um Romance policial com cerca de 200 páginas, era o livro mais grosso
de toda a coleção, que contava ma história de uma série de assassinatos
cometidos por um serial killer que
assinava cada morte com uma borboleta morta presa por um alfinete. Me lembro
deter lido aquele livro umas dez vezes seguidas. O Fato é que cada vez mais
fiquei apaixonado pelo gênero de mistério, livros policiais, romances
investigativos e afins.
Nesse ano entre uma entrevista de emprego e outra, comecei a
rascunhar em um caderno velho da faculdade alguns rabiscos e notas sobre uma
história de mistério, sobre um policial que perseguia um assassino. Comecei a
me lembrar do velho sargento Antero, protagonista do “A Borboleta do Inferno”. Um
homem cansado da sua vida, que usava o trabalho com fuga de uma vida
matrimonial infeliz, atordoado em vícios e a todo o tempo deixava que pistas
importantes fossem perdidas. Como por exemplo, o fato de que a espécie de
borboleta usada para assinatura do crime ser originária de uma região
específica do Serrado Brasileiro (a história se passava em uma cidade fictícia
do Rio de Janeiro), e o único entomologista da cidade possuía uma estufa cheia
dessas borboletas. Enfim, eu comecei a pensar como seria um detetive mais
eficaz. Mas para um detetive mais eficaz, eu precisava de um vilão mais eficaz.
E assim, peça por peça, me dei conta que estava criando uma
história bem interessante. Dessa forma nasceu meu primeiro livro “Violeta”. A
princípio eu escrevia cada capítulo e postava-os em um blog, que depois eu
mandava o link para alguns amigos que
gostavam e divulgavam. Quando eu havia publicado cerca de um quinto do livro,
um blog especializado em contos undergrouns
da internet, “O Olhudo”, se ofereceu para publicar os capítulos em parceria.
Com isso o número de leitores cresceu levemente. Não demorou surgiram os
primeiros fãs, e em alguns meses eu finalizei a obra.
O Romance, tornou-se um arquivo “.pdf” com cerca de 5 Megabites disponível para Download gratuito n’O
Olhudo, onde teve a expressiva marca de 1500 downloads em uma semana. No mês
seguinte em uma janela de chat o dono
do blog me contou sobre o concurso para novos autores que uma editora estava
promovendo. Três livros independentes seriam escolhidos para serem publicados
pelo novo selo desta editora com uma tiragem inicial de duas mil unidades que
seriam vendidas e distribuídas em todo o estado.
Inscrevi-me e mandei uma cópia impressa e encadernada do
livro (com a letra no tamanho 6 e margens mínimas, para economizar ao máximo, o
dinheiro estava absurdamente curto), sem nenhuma grande pretensão. Tão grande
que foi uma incrível surpresa quando recebo a notícia de que meu livro fora uns
dos escolhidos para ser distribuído.
Algumas semanas depois recebo embrulhado em papel pardo um
exemplar da primeira edição da minha obra. Em uma capa preta fosca, com letras
roxas brilhantes, todas maiúsculas, escrito “Violeta”, Uma flor em relevo e meu
nome escrito embaixo. Eu receberia 10% das vendas do livro, o que é normal para
os escritores. No website da editora
ficaram disponíveis 200 exemplares para venda. Qual foi minha surpresa ao ver
em menos de um dia já haviam sido esgotados. Em menos de 10 dias, os dois mil
exemplares estavam sendo lidos por leitores de todo o estado.
Foi quando recebi um e-mail
da Editora, dizendo que devido ao grande sucesso eles decidiram fazer uma
segunda edição, dessa vez com uma tiragem maior e distribuição nacional.
Contratei um agente literário, o livro foi visto e revisto várias vezes, a capa
foi alterada, agora além do título e da flor em relevo, a capa possuía uma
orelha com um texto bem feito, escrito por um dos críticos que julgaram o
concurso, falando das boas avaliações do livro e dos pontos positivos da
história. Na orelha da contracapa, minha foto em uma camisa social e uma
pequena biografia sintetizando minha vida em cinco linhas. Assim em 378
páginas, minha obra se solidificou.
Aos 23 anos, um escritor aclamado, sucesso de crítica e
vendas. Mas isso não é uma história de sucesso.
Uma coisa curiosa sobre livros que fazem sucesso hoje em
dia. Sempre se espera de um jovem autor que o próximo seja tão ou mais valoroso
que o anterior. E lógico, com o sucesso das vendas do primeiro título, era
obvio que uma sequência não deveria tardar. Haviam passado apenas alguns meses
do lançamento, quando recebi um telefonema do meu agente literário:
― Téo, precisamos conversar meu amigo.
― Sidney, algum problema, algo que eu possa ajudar?
― Téo! Recebi uma proposta grande do escritório da editora.
É raro isso acontecer, mas eles estão dispostos a publicar seu próximo livro.
― Próximo livro? Como assim, eu te disse que não estava
trabalhando em nada.
― É uma chance de ouro meu rapaz! Com seu sucesso, vão
comprar qualquer coisa que você escrever.
― Mas não pode ser qualquer coisa. Violeta foi um trabalho
de toda a minha vida, a história é muito bem fechada. O final conciso, Uma
continuação seria um atestado de oportunismo.
― Bom, isso você quem decide. Quero ver as primeiras páginas
quanto antes possível.
Não tive muito tempo para pensar, as ideias não surgem de
uma sacola vazia. Elas vem de um deposito cheio de tralhas que você junta
durante a vida. Lógico que haviam vários rascunhos, pensamentos anotados que
não fizeram parte da primeira obra, mas, havia algo que não me possibilitava de
juntas um punhadinho disso e daquilo e colocar no papel.
A primeira semana se passou, nada, de fato, eu sou muito bom
na arte da procrastinação, Revirava meu caderno de anotações, folhava as
páginas da minha primeira edição do Violeta. Meu apartamento minúsculo estava
parecendo uma zona de guerra. Meu agente ligava furioso perguntando dos
rascunhos, a pressão que ele sofria da editora, os prazos vencendo.
Eu desligava o telefone e sentava na frente do computador. O
editor de texto aberto na minha frente. A página em branco com o ponto de
inserção, aquela maldita barrinha preta piscando sobre um fundo branco em seu
ritmo compassado não me traziam nenhuma ideia.
Outro e-mail da editora falando sobre os prazos para entrega
dos primeiros rascunhos, dois e-mails do meu agente. Dois e-mails de fãs que
por coincidência descobriram meu e-mail pessoal em uma rede social cujo perfil
eu não acessava a mais de dois anos. Um site de vendas coloca Violeta no topo
das vendas, o livro está em promoção no outro. Percorro alguns websites para me
distrair. Nenhum recado novo naquela rede social, nenhuma postagem interessante
no microblog. Me deito, coloco o notebook no colo. Abro um jogo qualquer, que
logo perde a graça e eu o fecho. Checo os e-mails novamente, nenhuma novidade.
Abro o editor de texto, o ponto de inserção esta piscando mais rápido ou isso é
uma impressão? Nenhuma ideia nova.
No dia seguinte a dança se repete. E no dia depois desse, e
depois desse e no próximo também.
Um bloqueio? Não, algo, além disso. Violeta foi algo que
minha vida me levou a escrever. Todas as minhas experiências me direcionaram
para juntar todas aquelas ideias e tornar real aquela obra. Algo assim não
acontece todo o dia. Não pode ser forçado. É algo espontâneo, como um bolor que
nasce no pão que esta na geladeira. Violeta não foi planejado, surgiu. Apenas
assim.
Como posso fazer para que algo novo nasça? Eu estou tão
cansado. Eu preciso ir pra cama e pensar em alguma coisa. Amanhã eu tenho que
pensar em algo nem que seja um blefe.
Acordo. Mas tudo parece igual. Meu agente me liga e em uma
breve conversa diz que a editora está apertando cada vez mais o cerco. Eu
decido que está na hora de desabafar. Confesso minha angústia, mas digo que se
trata de apenas um bloqueio, imploro por mais tempo para surgir com uma resenha
nova.
A voz do meu agente se silencia.
Meu apartamento parece sucumbir em cima de mim. “Vou ver o
que posso fazer, dê um jeito de superar isso”. A única resposta que recebo.
Vou superar isso. Olho pela janela, Tudo igual, tudo a mesma
coisa. Quero sair daqui. O Desejo é quase espontâneo. Esse lugar me faz mal.
Tem muita gente ao meu redor. Eu só quero estar em algum lugar longe daqui. Mas
o que exatamente é o lugar que eu estou? As pessoas? Meus leitores? Meu agente
literário? Olho ao redor e vejo meu exemplar do Violeta jogado sobre uma mesa.
É de você que eu quero estar longe.
Uma busca rápida no computador. Um novo e-mail, que só eu
usarei. Perfis pessoais nas redes sociais. Apagados. Amigos próximos? Nenhum
com tempo disponível o suficiente pra notar.
Apanho meu celular. Um novo número por enquanto. Os lucros
com as vendas do livro me sustentarão pelos próximos meses. Agora, pra onde
correr? Algum lugar longe. Algum lugar onde eu não conheça absolutamente
ninguém.
Passo correndo pela sala, esbarro em uma pilha de revistas
velhas. Uma delas cai aberta mostrando as fotos de uma cidadezinha peninsular
aparentemente bem tranquila.
Santa Clara. Parece um lugar interessante para encontrar inspiração.