domingo, 18 de agosto de 2013

Epílogo da Parte 1

Ele colocou um pen drive no rádio. O Display mostrou “Columbia – a hora certa.mp3”e a música começou a tocar.

Ontem te vi
saindo de casa
Você olhou para o céu
e abriu o portão.

Ele colocou o que pode em sua mochila, junto com seu computador. Abriu o guarda-roupa e tirou duas caixas de papelão. Nelas colocou livros, filmes e discos, colocou o restante das roupas que não couberam na mochila. Esticou o pescoço pelo corredor e se certificou de que estava sozinho em casa. Pegou seus pertences que estavam no banheiro e no escritório, onde encarou uma foto dos dois abraçados. Única foto deles juntos, ambos abraçados e sorrindo, dentro da cabine fotográfica, como se não houvesse amanhã. Apenas bufou e deitou o porta retrato, pegou os últimos livros e voltou para o quarto.

Sem olhar para mim,
sem mover o rosto ao ligar o carro e sair,
sem parar nos sinais.

Pegou o bloco de notas, um envelope e anotou um bilhete para a melhor amiga, onde anotou algumas palavras.

“Peggy, não da mais. Preciso ir embora daqui. Não estou magoado com você, espero que possamos continuar sendo amigos mesmo você considerando ele como um irmão.
Vou te explicar tudo assim que chegar e colocar meus pensamentos em ordem. Você pode ficar com o frigobar, vai ser de alguma ajuda. Em troca você pode me mandar essas caixas para o endereço que eu escrevi nelas? O dinheiro que está nesse envelope deve pagar o frete.
PS: Segui o seu conselho enquanto pude, tentei não fazer nada de cabeça quente, mas não pude. Não passei no bar porque quero me afastar dele o mais rápido o possível. Espero que você entenda.

Com amor.
Seu amigo Téo.”

Colocou as duas caixas na escrivaninha e o envelope com a carta sobre elas.

Tudo bem
A timidez já não importa mais
Eu já sei
que o tempo não pode voltar atrás

Pegou o celular e procurou o telefone da amiga na agenda. Mandou uma curta mensagem “Deixei um presente pra você no meu quarto. Venha buscar”. A curiosidade dela deveria fazer o resto do serviço.
Tomou um banho e colocou sua ultima troca de roupa disponível. Colocou a mochila nas costas e fechou o zíper da jaqueta.

Aqui o vento congela
Aqui, ninguém mais me espera
Espere a hora certa pra me olhar
que eu vou estar lá
que eu vou estar lá
Espere a hora certa para olhar

Parou na frente do quarto dele, pensou em dizer adeus por um segundo. Desistiu. Desceu as escadas colocando o capacete, deixou as chaves na mesinha da sala. Saiu na porta da frente e olhou para o céu azul com poucas nuvens, um vento fresco anunciava um dia tranquilo.
Era hora de ir.
Abriu o portão, sem olhar para traz, sem mover o rosto, ligou a motoneta e saiu, desprezou todas as sinalizações.
O que ele não sabia é que alguém desligou rádio chorando. Alguém o viu abrindo o portão, alguém estava arrependido.
O tempo não pode voltar atrás...

Ontem te vi
saindo de casa
sem levar nada nas mãos

sem olhar as flores que eu segurava.

sábado, 17 de agosto de 2013

Capítulo 6 "(Me) Pegar ou Largar" FINAL

No dia da festa no Peggy’s eu acordei com uma estranha sensação. Um peso que estava nos meus ombros havia subitamente desaparecido. Tudo parecia se encaixar perfeitamente, nada estava faltando. Eu não sabia dizer o que era. Minha cabeça estava numa paz tão serena que quase instintivamente eu me dentei na janela do meu quarto e acendi um cigarro. Em longas tragadas eu observava o jardim comunitário atrás da casa do Greg. O dia estava tão claro e o céu tão azul e aberto, a brisa do mar enchia a cidade. De repente eu me senti parte de tudo isso. Foi quando me caiu a ficha:
―A Fuga acabou.
Troquei de roupa e desci as escadas com a intenção de ir até o mercadinho. No caminho uma senhora me cumprimentou e curiosamente eu consegui lembrar o nome e onde ela morava. Eu já era praticamente um cidadão de Santa Clara. Eu estava em casa.
Cheguei a casa com uma sacola cheia de compras já era quase onze horas. Resolvi ligar para o Greg:
―Alô?
―Gregório?
―Oi Téo, aconteceu alguma coisa?
―Não eu... Só queria saber se você almoça em casa hoje?
Senti uma pausa para estranhamento na voz dele.
―Hoje eu vou fazer alguns trabalhos internos na central. Acho que daqui à uma hora, uma hora e meia eu termino, daí eu pedi folga no resto do dia pra ajudar no Peggy’s e buscar o Argentino no aeroporto de Costa Azul. ― Ele deu uma pausa generosa após isso ― O que foi Téo, você está diferente.
―Eu não consigo explicar pelo telefone, quando você chegar em casa nós conversamos.
―Certo, me deixa desligar antes que o comandante chegue.
―Te amo.
―Também.

Decidi fazer o mesmo macarrão que comemos no nosso encontro no Skykeeper, mas quando eu desliguei o celular, vi que havia uma chamada perdida de um número desconhecido. Ninguém além do Greg e da Peggy tinham o número desse celular. Sendo assim, eu resolvi retornar a ligação:
―Gazeta de Santa Clara bom dia. ― Disse a voz no outro lado da linha. Minhas pernas quase caíram.
―Bom dia, meu nome é Theodoro, eu recebi uma ligação desse número, deve ter sido um engano.
― O senhor é o Theodoro Martins Alvares?
―Sim.
―Eu sou a secretária do senhor Bento José Custódio, Chefe da redação da Gazeta de Santa Clara, ele gostaria de falar com o senhor a respeito do currículo que o senhor nos enviou ontem.
―Claro.
―Ótimo, sua reunião com ele está marcada para hoje às onze e meia.
―Mas isso é daqui a 10 minutos!
―Tenha um bom dia senhor.
A vaca da secretária desligou na minha cara. Pela janela do escritório vi minha vespa estacionada perto do portão:
―É hoje que eu vou ver qual é sua velocidade máxima.
A sede da Gazeta de Santa Clara fica no edifício Santa Amélia, localizado numa área da cidade simpaticamente apelidada pela Peggy de “Zona de Gaza”. Uma região intermediária entre a Cidade nova e a Cidade velha.  Eu já havia passado por lá umas quinhentas vezes. O único problema é: se você tentar ir andando cortando o passeio público e a praça da igrejinha a caminhada dura aproximadamente quinze minutos.  Para conseguir chegar lá em menos de 10, eu deveria fazer o mesmo trajeto cruzando esses pontos turísticos em meu veículo.
Sentei na Vespa respirei fundo e fui. Nessa brincadeira quase atropelei uma senhora com um cachorro e um homem carregando umas caixas. Rezei para que nenhum guarda civil me visse.  Ainda mais o Gregório.  Mas isso é uma insegurança que fica pra outra hora. Porque agora eu deveria chegar em menos de 5 minutos. A praça da igreja estava na minha frente e uma linha reta se formava entre eu e a entrada do edifício. É hora de voar!
Como se os anjos dissessem amém. A praça estava deserta. Quando eu passei com minha motoneta, algumas pombas levantavam voo e cruzavam sobre mim deixando algumas penas caírem. Depois eu vi o edifício Santa Amélia coberto de uma luz divina. Claro que eu deveria estar louco de adrenalina, mas foi bem mágico:
―Oi eu sou o Theodoro Martins Alvares. Eu tenho uma reunião com o Senhor Bento.
―Ele vai te receber em um minutinho. O senhor pode aguardar sentado ali.
O minutinho se transformou em aproximadamente uma hora quando finalmente escutei o barulho de uma porta se abrindo e algumas pessoas caminhando. Para minha surpresa uma dessas pessoas era o próprio comandante Fúlvio. O chefe do Gregório passou por mim fardado e apenas me cumprimentou com a cabeça, seguindo o seu caminho.
O escritório do chefe da redação ficava nos fundos. Passei por mesas cheias de papel onde alguns jornalistas digitavam freneticamente e outros discutiam na frente do computador algumas coisas que eu não conseguia entender.
Na sala do editor havia vários arquivos e uma mesa cheia de papel. Meu coração quase saiu pela boca quando eu reparei que entre os livros na mesa estava uma cópia do Violeta, com um marcador de página indicando que a leitura já havia passado da metade. Será que era uma cópia comprada pelo comandante Fúlvio? Será que ele tinha visto isso por acaso? Ok, eu vou vomitar se alguém não falar nada!
―Vejo que aqui está o Theodoro Alvares! ―O editor chefe quebrou o silêncio ― Você é um filho da puta rapaz!
―Como assim?
―Você está na cidade pelo menos seis meses e só agora vem mandar seu currículo?
―É que eu não estava pensando em ficar aqui e tudo mais...
―Você está escrevendo seu novo livro sobre a cidade?
―Eu...
―Você não pretende difamar a cidade não é?
―Não eu...
―A editora me disse que você está mandando os rascunhos eu queria saber o que tem neles!
―Como?
―Tentando desconversar não é?

Que conversa de louco era aquela? E como assim, eu não escrevi uma linha nova, como a editora tinha rascunhos? Sidney? Bom enfim... Depois eu iria ficar sabendo de qualquer forma. Mas agora e essa conversa? Ele estava achando que eu iria escrever alguma coisa esculachando Santa Clara?
―Olha senhor Bento. Primeiro eu amo Santa Clara. É uma cidade linda realmente, eu nunca, em hipótese alguma escreveria algo ruim sobre a cidade. Porque eu amo Santa Clara e... Aqui é o lugar onde eu quero passar muito... Mas muito tempo mesmo.
Eu devo ter soado muito sincero, no final das contas ele encostou-se à cadeira e sorriu:
―Garoto, escute, eu estava discutindo isso com o Fúlvio agora mesmo. Você o conhece?
―Ele é o comandante da guarda civil não é? Meu... Primo ― Doeu ― trabalha lá.
―Sim e ele também é meu amigo de longa data. De certa forma ele é o responsável por você estar aqui agora.
Eu fiquei em silencio sentado na cadeira.
― Fúlvio me disse que um jovem escritor estava na cidade para buscar inspiração para seu próximo livro. Eu realmente temia que você acabasse falando algo desagradável da cidade, no final decidi ler seu livro.
―E o que o senhor achou?
―Genial!
―Genial?
―Genial. É um dos melhores livros de mistério que eu li nos últimos anos. Você é ótimo rapaz incrível mesmo. E na minha humilde opinião, você tende a crescer muito!
―Obrigado.
―Eu e o Fúlvio concordamos que um jovem promissor como você tem que criar raízes em Santa Clara, então eu fiz uma pequena pesquisa.  Theodoro Martins Alvares, 25 anos, formado em jornalismo. Nunca exerceu a profissão e nem demonstrou interesse. Nunca fez nenhum concurso, Nunca trabalhou com comunicação em nenhuma área. De fato a sua única fonte de renda tem sido seu livro. Que por sorte tem vendido o suficiente para você manter uma vida razoável. Eu tomei a liberdade de falar com seu agente literário, na intensão de marcar uma entrevista, ele me disse que você estava viajando para uma convenção no exterior, o que é claramente uma mentira, então você está tentando passar por despercebido aqui.
―Nossa, eu não sabia que eu valia toda essa pesquisa.
―Nós ainda não sabemos se você vale mesmo. Mas de uma coisa temos razão, Santa Clara precisa de você. Precisamos de um jovem escritor que em longo prazo possa trazer prestígio a essa cidade e é por isso que eu quero lhe oferecer um emprego aqui na Gazeta de Santa Clara.
―Bom, eu preciso mesmo de uma fonte extra de renda e eu estou realmente planejando me fixar por aqui.
―Ótimo. Não temos nenhuma vaga como repórter, mas me diga, quais são suas experiências com diagramação?
―Não sou muito bom, mas eu aprendo rápido.
―Você vai ter que aprender realmente rápido. Segunda feira eu quero que você se apresente no começo do expediente como assistente de diagramação, é a única vaga disponível no jornal agora. Com o tempo você pode conseguir o posto de repórter.
―Nossa, Estou sem palavras.
Bento pegou o meu livro na mão e disse um: “Elas estão todas aqui”. De fato fiquei assustado como meu livro tinha facilitado. Mas agora uma nuvem começava a surgir no meu céu perfeito. Eu não pretendia publicar mais nenhum livro. Eu já estava em Santa Clara para fugir do Violeta, mas agora por causa dele eu tinha conseguido um emprego, e nesse emprego, a promessa de que eu seria mais um ilustre cidadão de Santa Clara, um jovem escritor que narraria às belezas das praças e parques da cidade. Isso não estava certo.
Comecei a sentir uma pontada da ansiedade que me fez vir para cá em primeiro lugar. Entretanto, eu já tinha o emprego, isso era um problema que eu contornaria, cedo ou tarde, Talvez eu escrevesse algumas poesias bem bucólicas sobre Santa Clara, reuniria em um livro medíocre e publicaria. Isso deixaria o senhor Bento feliz, o comandante Fúlvio Satisfeito e renderia a mim e a Peggy muitas risadas. O Greg provavelmente acharia alguns poemas bonitinhos.
Despedi-me do redator chefe da gazeta de Santa Clara e fui guiando a vespa pela cidade lentamente ainda processando tudo. O céu não estava tão claro quanto estava hoje de manhã, nem o ar tão leve assim, afinal quando achamos que um problema acabou, na verdade ele apenas foi substituído por outro. Eu sabia que no fim daquele dia, quando me deitasse na cama com o Greg e me aconchegasse no peito dele, tudo ficaria mais claro. Eu precisava do abraço forte dele em caráter de urgência. Porém quando olhei no relógio vi que eram quase duas e meia da tarde.
Já era tarde demais pra almoçar, decidi fazer um lanche qualquer numa padaria aleatória e voltar pra casa. As sacolas estavam do jeito que as deixei. O camarão descongelado na pia retornou para o congelador. Comecei a arrumar todos os objetos que encontrava no caminho como uma maneira de esvaziar minha mente e não pensar que a partir de agora eu tinha contraído um débito com Santa Clara. A cidade havia me dado um emprego, um lugar na sua sociedade, em troca eu deveria eterniza-la em uma narrativa. Acho justo. Vou pensar em algo, mas não agora.
Fui arrumar o quarto do Greg, ele havia chego e pra variar jogado a roupa em cima da cama. Dei uma cheirada no uniforme dele, o cheiro doce do suor do Greg estava lá, era melhor colocar aquela troca de roupa na máquina. Quando puxei as calças dele vi sua carteira cair e esparramar papéis e documentos por todo o chão. Dinheiro que é bom...
Recolhendo os papéis do Greg eu só dava risada. Que tipo de pessoa guarda todas as notas fiscais da vida na carteira. Havia algumas bem velhas até já apagadas... Mas... Havia uma que me chamou particularmente a atenção...
Numa nota fiscal branca de papel simples estava anotado um número de celular. O mais curioso é que estava dobrado de forma que o número estava destacado e perfeitamente encaixado no fundo da carteira de forma que não estava amassado. Parecia que realmente estava guardado para alguma ocasião vindoura.
Eu desenrolei a nota fiscal e na verdade tratava-se na nossa compra de bebidas para a festa da Peggy. Decidi guardar aquela nota comigo, sem nenhum motivo maior. Agora eu tenho outras coisas pra fazer.  Coloquei a carteira do Greg sobre a cômoda e a calça junto com a roupa suja. Segui para o meu quarto, me sentei na frente do computador e respirei fundo. Era hora de escrever meus termos de rendição. Um e-mail para meu agente explicando minha situação, minha desistência de escrever qualquer coisa cedo ou tarde, e um pedido bem sem vergonha para que ele me ajudasse em qualquer consequência.

To: sydneyaventura@msaeditora.com.br
From: teoalvares87@gmail.com

Subject: desculpas

Sidney
Quero me adiantar a respeito do nosso acordo. Não sei como você está se virando com essa minha fuga, ou se ainda está se virando, mas não posso deixar de perceber o quanto fui idiota com você. Desculpa te deixar na mão amigo, mas o fato é que não consegui escrever uma linha sequer nesses seis meses.
Estou aqui declarando minha desistência. Dentro de uma semana ou duas pretendo retornar para a cidade onde lhe contarei todas minhas desventuras.  Me liga nesse numero 51 88021213, vamos combinar nosso encontro. Creio que vou precisar da sua ajuda para arrumar tudo.

Desculpas mais uma vez
Téo
Meu dedo pulsou sobreo “Enviar”, mas por algum motivo eu pensei “Deixa pra segunda-feira”, basicamente essa era minha reação imediata a qualquer problema que surge pra mim num sábado. Salvei o e-mail como um rascunho. Relaxei na cadeira com a nuca apoiada nos braços e respirei fundo. Olhei para os lados procurando algo para fazer. Meu estômago estava em chamas e eu não sabia o motivo. Olhei para a notinha fiscal sobre a mesa. Era aquilo que não encaixava. Greg guardava tudo que era lixo na carteira dele. Mas tudo vivia amassado e jogado de qualquer forma. Aquele era o único papel que estava dobrado e encaixado perfeitamente.
Desdobrei o papel o analisei. Era a parte da compra que o Greg passou no caixa. Havia o numero do depósito de bebidas, bem como o endereço impresso no cabeçalho da nota fiscal. No verso o numero de telefone escrito com esferográfica azul. Um pouco tremido, sinal de que foi escrito sobre uma superfície irregular, como a mão de alguém ou coisa do tipo. Era um celular. O monstro dos olhos verdes do ciúme me fez lembrar que a caixa havia anotado alguma coisa e entregue pro Greg enquanto ela dava algumas risadinhas.
Só por curiosidade eu decidi ligar. Deve ser o celular da entregadora 24 horas ou coisa do tipo. Eu não preciso viajar. O Greg não estava guardando o celular de nenhuma periguete. Vou ligar e pedir uma garrafa de vinho e vai ficar tudo cero. Isso mesmo.
Liguei.
―Alô ―Voz feminina.
―Boa tarde, é do depósito de bebidas?
―Não, é uma linha particular ― Voz nojenta de periguete no cio. ― Você deve ter ligado errado.
― Perdão, de quem é esse celular?
― É meu mesmo. O senhor deve ter ligado errado. ― A Menina desligou na minha cara sem ao menos dizer o nome.

Porque o Greg estava guardando o telefone de uma menininha tão nojenta, tão mal educada, e grossa. Se não me engano Peggy havia pedido em pelo menos duas ocasiões as notas fiscais. Ele a minha já havia sido entregue. Ele Estava junto quando, com a carteira na mão quando ela pediu.
Minha cabeça funcionava a mil por hora. Eu preciso desacelerar meus pensamentos antes que eu faça alguma besteira. Subi e entrei no meu quarto sentei na cama e tentei fazer todos os tipos de cálculos, pensar todos os tipos de porquês. Eu realmente queria ignorar, mas não dava. Eu ia acabar perguntando.
A porta da frente abriu, e Greg passou por ela me perguntando se eu estava em casa, eu não respondi ao primeiro chamado, mas reparei que ele estava subindo as escadas, acabei respondendo a um segundo chamado:
―No quarto.
Greg abriu a porta e se deparou comigo sentado na cama. Ele ficou parado me encarando, e eu não sabia o motivo. Quando caiu a ficha. Eu ainda estava com o celular numa mão, a nota fiscal na outra e eu estava chorando.
Pode parecer exagerado, mas eu nem me toquei que meu desespero chegava a esse ponto. Por alguns minutos eu me senti patético, como se eu não tivesse valor nenhum. O que era mentira, só poderia ser mentira, afinal eu estava em Santa Clara havia quase seis meses, boa parte desse tempo eu estava com o Greg, eu vi pessoas flertando com ele, vi ele as recusando. Mas um telefone guardado na carteira, num papel que ele deveria ter se livrado há muito tempo. Isso não estava certo mesmo:
― Isso caiu da sua carteira, enquanto eu levava a roupa suja pra máquina.
Greg passou a mão no cabelo e pegou a nota fiscal. Ele sabia do que se tratava, não dava pra desconversar, ele sabia exatamente do que se tratava:
― Eu sabia que você ia entrar em parafuso quando caso encontrasse isso. Foi só um flerte daquela menina do caixa no depósito. Não tem nada de mais, eu nunca liguei pra esse número.
―Quem me garante? ―A frase saiu sem pensar, dois segundos depois eu já estava arrependido de ter dito.
―Como assim?
―Greg, acho que pra todo mundo ao seu redor eu sou ou seu primo ou o cara que aluga um quarto na sua casa, sendo assim, se você quiser ficar com outras pessoas, nada te impede. Mas, eu até hoje pensei que isso nunca aconteceria. Agora com esse número de telefone, que segurança eu tenho?
―Primeiro você tem que aprender a confiar um pouquinho mais em mim, se eu disse que não sou bom em me relacionar com as pessoas, é porque eu realmente não sou bom caramba.
―Ótimo, certíssimo, e você vai usar isso como desculpa sempre que pisar na bola? Cada vez que me chamar de primo pra algum conhecido seu? Cada vez que desviar de qualquer toque meu? Você quer alguém pra foder de noite e ser o player 2 de dia? Quer que eu pegue no gol?
―Nossa como você ficou amargo do nada. Eu vou entregar essa nota fiscal pra Peggy.
―Greg, é a ultima chance.
―Como?
―Essa é a ultima vez que vou tolerar uma palhaçada dessas, eu não quero saber, não vou ser seu namoradinho de dentro de casa.
―Téo, não perca seu tempo me dando um ultimato. Você sabe dos meus sentimentos por você, não fica colocando demônios na sua cabeça.
―Então não me dê motivos pra criar demônios. ―Encarei o Greg olhando nos olhos dele, me aproximei e peguei o recibo das mãos dele. ―Eu vou tomar banho agora, me chama a hora que você quiser ir pro Peggy’s.
―Theodoro, para de drama, vai dizer que você não flertou com ninguém?
―Eu gosto de você Greg. Eu gosto de você, não de uma vadia qualquer que me atende no supermercado.
―Vai me dizer que você não gosta que flertem com você!
―Eu gosto Greg, eu gosto muito, faz muito bem pro meu ego. Mas eu não me sinto na obrigação de retribuir a todo mundo.
Greg ficou em silêncio. Eu acho que acabei de aplicar um golpe em seu ponto fraco.  Segundo Peggy ele tinha um sério problema de auto aceitação, eu não sei até que ponto minha compreensão admite isso. Uma coisa é receber um flerte, outra é corresponder, outra mais séria é guardar um número de telefone por alguns dias, com a promessa de usa-lo. Se ele tinha um número na carteira, será que ele não teria no celular?  Será que ele não teria bilhetinhos salvos em algum lugar do seu quarto? Será que eu não teria apenas o sortudo que por ventura, flertou com ele e acabou morando sobre o mesmo teto. Será que ele via nosso namoro como uma recompensa pelo fato de eu o achar atraente:
―Vou pro meu banho Greg. A hora que você for pro Peggy’s me chama Ok.
Deitei na banheira e deixei água quente cair sobre mim, decidi que não iria mais pensar em nada até que amanhã. O dia que havia começado tão bem ficou turvo e nebuloso. Era como se eu não conseguisse mais projetar nenhum futuro.
Fiquei pelo menos meia hora na banheira, havia separado uma troca de roupa simples, afinal era o Peggy’s e se a noite do microfone aberto era tão movimentada, era praticamente obvio que eu iria trabalhar. Jeans, camiseta preta e tênis. Minha escolha básica. Completamente vestido eu me sentei na cama e comecei a rabiscar as revistas.
Não demorou muito tempo e Greg bateu na porta do meu quarto dando sinal de que já estava indo. Ele não me esperou, apenas desceu as escadas e seguiu seu caminho até o carro.
― Carro? Mas o bar é aqui do lado!
― Ela sempre precisa buscar alguma coisa.
Melhor não buscar mais discussão.  Entrei no fusca azul do Greg.  Ele estava com a cara meio injuriada, provavelmente por causa da discussão, eu também não estava na minha melhor aura, pra falar a verdade eu não queria nem um pouco ir ao Peggy’s hoje, eu queria... Sei lá, tomar um sorvete e ver televisão. Sexo talvez?
Era cedo e não tinha nenhum freguês no bar. Um rapaz de cabelos escuros e encaracolados, nariz pontudo e olhos também escuros estava debruçado no balcão.  Aquele deveria ser o Argentino, Peggy estava ao seu lado brincando com seus dedos e tento uma conversa bem intima. Ela sorria bem boba. Era bacana ver os dois juntos.
Greg deu um tapa no ombro do rapaz:
―Ramonzito, há quanto tempo hein hijo de puta!
―Fala maricón devo estar a uns dois anos sem vir pra cá e te dar uma surra no Fifa.
―Meninos fazendo coisas de meninos ―Suspirou Peggy ― Ramon, esse é o Téo.
Ele esticou a mão pra mim e apertou com força, ele parecia ser bem simpático:
― Você é o namorado do Gregório então?
―Sim...
Fiquei sem fala, era a primeira vez que alguém colocava nesses termos, bom, nós éramos praticamente casados nessa altura do campeonato, sendo assim, eu achei até válida a observação do moço. Dei uma olhada para o Greg, ele parecia um pouco incomodado com a situação, eu resolvi deixar de lado. Ele poderia andar com o telefone de dez mil raparigas na carteira, mas no fim do dia era na minha cama que ele iria dormir.
— Tem algum serviço pra gente agora Peggy? — Greg já tentando desconversar.
— Na verdade eu e o Ramon já adiantamos quase tudo, a Priscilla chegou agora a pouco e já assumiu a cozinha, eu vou cuidar do balcão, o Ramon do som e das apresentações. Só peço pra vocês ficarem disponíveis para o caso de uma emergência.
Sentamos numa mesa no canto eu e Greg, os dois de cara fechada, Deixamos espaço pra que Peggy e Ramon namorassem:
— Você ficou puto com o fato de eu ter concordado com o Ramón?
— Não Téo, eu só não estou acostumado com a ideia de ter um namorado, só isso.
— Então você concorda que isso é um namoro?
— Quando eu discordei?
De fato, ele nunca havia negado que tínhamos uma relação. Apesar de nunca ter assumido.
—Só quero saber se depois disso eu vou ser seu namorado ou seu primo?
—Nossa hoje você está afiado hein Theodoro. Puta que o pariu.
— Desculpa Greg.
Ele bufou, balançou a cabeça e fez um gesto indicando que tudo bem. Depois de um tempo ele levantou da mesa dizendo que precisava de uma cerveja. Fiquei sozinho e amargando na mesa. Peguei a nota fiscal e fiquei olhando. Decidi entregar o papel e contar a história pra Peggy. Mas Greg estava no balcão pegando a cerveja com o Ramon, os dois conversavam bem animados.  O momento passou.
O Peggy’s lotou em pouco tempo e as apresentações começaram, entre um “Toca Raul” e um cover mau feito de Mamonas Assassinas tudo corria de uma forma tranquila, Peggy cuidava do bar com uma ajudinha do Greg, Ramón corria as mesas anotando as próximas apresentações. Cansado de ficar na mesa, eu fui para o balcão:
— Ué, deixou a mesa vaga por quê? — Disse o Greg enquanto atendia.
— Não é melhor eu vir pro balcão e deixar a mesa pra quem está acompanhado? — Greg me deu uma encarada feia. — Eu sei que você está trabalhando. A hora que aliviar aqui a gente senta lá fora. Lá está mais fresco e tem várias mesas.
Ele repetiu o gesto de bufar e dizer que está tudo bem. Peggy chegou nesse momento colocando a mão sobre o ombro do Greg e falando alguma coisa no ouvido dele. Com um aceno positivo com a cabeça ele passou para o lado de fora do balcão e se sentou do meu lado:
— A Michele e a Ângela chegaram e vão cobrir o bar hoje Peggy disse pra que eu curtisse a noite.
O lado bom de sentar no balcão do Peggy’s em noite de casa cheia: Bebida a rodo! Sempre que alguém esquecia que tinha pedido um drink ela o trazia para a gente. Eu já estava na segunda caipirinha e o Greg experimentava um mojito.
Ou eu estava muito bêbado, ou a qualidade das apresentações havia melhorado surpreendentemente. Um cover ótimo de Beatles, um comediante Stand-up e até uma contorcionista. Durante cada um desses atos eu tentava me aproximar do Greg, pegar na mão dele, me encostar nele, mas ele recuava:
—Quer parar de ser pegajoso?
—Tudo bem Primo. — Respondi com toda a ironia possível
—Pra mim deu, eu vou fumar um cigarro.
Ele saiu e foi pra área do fundo onde era permitido fumar, eu fiquei sozinho no balcão de cabeça baixa, até sentir alguém bagunçando meu cabelo. Era Peggy:
— Problemas no paraíso?
—Hoje tá foda Peônia. Hoje tá foda.
Contei da nota fiscal e das trocas de farpas entre eu e o Greg que duraram o dia inteiro. Contei do emprego, Contei do livro. Peggy me escutou com atenção, mas quando ela foi abrir a boca pra falar algo, o barulho de uma garrafa quebrando e uma das meninas chorando com um corte na mão tirou toda a atenção da Peggy:
— Quer ajuda?
—Não, eu me viro, é um corte superficial, vou à cozinha fazer um curativo. E você, vai com calma, tem dias que coisas ruins podem acontecer do nada, por motivos estúpidos.
Peggy e a menina do dedo cortado entraram na cozinha e eu fiquei sozinho no balcão mais uma vez. Esse cigarro do Greg estava longo, ele deveria estar lá fora a mais de meia hora.

Coming out of my cage and I've been doing just fine
Gotta, gotta be down, because I want it all

Os acordes começaram a tocar. Os primeiros versos. Era Mr. Brightside. Meu coração ficou apertado.

It started out with a kiss, how did it end up like this?
It was only a kiss, it was only a kiss

Eu precisava encontrar o Greg agora, fui até a área de fumantes e ele estava conversando com duas garotas. Meu sangue começou a esquentar. Entre uma tragada e outra do cigarro, elas tocavam em seu braço, brincavam com seu cabelo, riam e ele concordava com tudo isso.

Now I'm falling asleep and she's calling a cab
While he's having a smoke and she's taking a drag
Now they're going to bed and my stomach is sick

Eu fiquei sozinho no balcão, enquanto isso ele se divertia com duas vadiazinhas de bar? Uma das garotas pegou um cigarro do Greg e usou o cigarro já aceso nos lábios dele para acendê-lo, eu estava empedrado na escada vendo essa cena.
Se eu não tivesse saído lá fora, ele teria levado as duas para casa, provavelmente transaria com elas na nossa cama, Se eu não parasse com isso agora.

And it's all in my head
But she's touching his chest now
He takes off her dress, now, let me go
And I just can't look, it's killing me
And taking control

Meus pés pareciam granito, os passos eram pesados, a respiração não vinha, a vista tremia. Eu era o brinquedo dele? Eu era a piada dele?

Jealousy
Turning saints into the sea
Swimming through sick lullabies
Choking on your alibis

Ele não conseguia demonstrar sentimentos em público. Ele era uma pessoa reservada e fechada. Ele não era bom com intimidade e não queria criar lassos com outras pessoas.  Até que ponto isso era verdade? Será que pensar isso não é mero otimismo?

But it's just the price I pay
Destiny is calling me
Open up my eager eyes
'Cause I'm Mr. Brightside.

Uma das meninas nesse momento enfiou no nariz na barba do Greg e por um instante eu poderia jurar que houve um beijo bem embaixo do queixo do meu namorado. Meu sangue ferveu, meus olhos tremeram de raiva. Eu não consegui pensar direito. A última frase que Peggy me disse veio à cabeça. “vai com calma, tem dias que coisas ruins podem acontecer do nada, por motivos estúpidos.”
Nesse momento Greg me viu plantado a pouco mais de dois metros dele, eu vi a cor dele sumir, o vi ficar sem ação. Nesse momento eu vi tudo. Eu era apenas o brinquedo do Gregório, alguém que ele pudesse contar durante a semana pras necessidades físicas imediatas, mas da porta pra fora eu era apenas o colega de quarto, o primo, o cara que aluga um cômodo na casa. Eu não estava feliz com isso. Eu não ia me prestar a esse papel.
— Até mais Gregório.
Foi tudo que eu consegui dizer.
A mureta da área de fumantes tem aproximadamente um metro, depois dela tem um jardim comunitário mantido por todas as casas do quarteirão e posteriormente o quintal do Greg cercado por uma mureta de igual tamanho. Sendo que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta. Eu pulei a mureta da área de fumantes, e comecei a atravessar o jardim comunitário. Eu escutava meu nome sendo chamado ao longe. Mas nesse momento eu só queria minha cama, eu só queria estar longe. Eu só quero estar longe daqui...
Um segundo salto e estava no quintal do Greg, procurando a chave escondida no gnomo de jardim, quando uma mão forte me puxou e me fez olhar para frente. Greg havia feito o mesmo caminho e me alcançado.
— Téo, você está bem? Toma uma água e vamos voltar pra festa, não tem motivos pra você ficar bravo, ela só estava brincando...
Eu não consegui escutar mais nada...
— Eu não sou seu brinquedo... — disse baixinho pra mim mesmo
— Como é?
—Eu não sou seu brinquedo— Disse agora em um tom mais claro
—Para com essa história e vamos voltar pro bar, vem.
—Gregório eu não sou seu brinquedo – Meu punho se fechou e eu desferi um murro contra seu estômago. Greg sem fôlego caiu no chão do quintal e eu sem saber o que fazer corri para meu quarto.
Ele me amou. Em algum momento ele disse que me amou.
Ele me quis. Em algum momento eu sei que ele me quis.
Ele me desejou, eu sei disso.
Ele ficou desconfortável. E quem não ficaria com essa pessoa grudenta e carente que sou.
Mas acabou.
Meu amor.
Minha fuga
Adeus Greg...



….



…....


Duas pessoas sozinhas no banco de uma praça olham para o horizonte, sem uma palavra as duas sabem que tudo acabou... Tudo acabou... Como é o ponto final de uma história de amor?


Uma lágrima?



Uma Lagrima.

Lá estava eu deitado na cama, com o antebraço cobrindo os olhos e chorando. Quando a ideia de uma lagrima, a cena de duas pessoas em algum parque de Santa Clara conversando sobre o fim. Eu precisava escrever.

Foram horas sem fim, não senti fome nem sede. Eu apenas escrevi. Um arco se formou na minha mente. Meu coração palpitava, as lágrimas caíram. Eu nem sei em quem eu pensava, ou no que. Eu só escrevia. No fim lá estava.

To: sydneyaventura@msaeditora.com.br
From: teoalvares87@gmail.com
1 Anexo: sem título.docx

Subject: desculpas

Sidney
Quero te pedir desculpas pela demora.  Acabei escrevendo qualquer coisa. Acho que pode dar certo. Não revisei, nem corrigi, você pode cuidar disso pra mim, não tenho cabeça pra mais nada.
Devo chegar amanhã cedo. Nem sei que dia é hoje, mas enfim, me liga no seguinte número: 51 88021213 caso queira mais detalhes. Assim que eu chegar em casa te ligo.

Desculpas mais uma vez
Téo


Meu bloqueio acabou.
Minha fuga acabou.

Adeus Santa Clara

Adeus Gregório.



Fim da Primeira parte.