domingo, 18 de agosto de 2013

Epílogo da Parte 1

Ele colocou um pen drive no rádio. O Display mostrou “Columbia – a hora certa.mp3”e a música começou a tocar.

Ontem te vi
saindo de casa
Você olhou para o céu
e abriu o portão.

Ele colocou o que pode em sua mochila, junto com seu computador. Abriu o guarda-roupa e tirou duas caixas de papelão. Nelas colocou livros, filmes e discos, colocou o restante das roupas que não couberam na mochila. Esticou o pescoço pelo corredor e se certificou de que estava sozinho em casa. Pegou seus pertences que estavam no banheiro e no escritório, onde encarou uma foto dos dois abraçados. Única foto deles juntos, ambos abraçados e sorrindo, dentro da cabine fotográfica, como se não houvesse amanhã. Apenas bufou e deitou o porta retrato, pegou os últimos livros e voltou para o quarto.

Sem olhar para mim,
sem mover o rosto ao ligar o carro e sair,
sem parar nos sinais.

Pegou o bloco de notas, um envelope e anotou um bilhete para a melhor amiga, onde anotou algumas palavras.

“Peggy, não da mais. Preciso ir embora daqui. Não estou magoado com você, espero que possamos continuar sendo amigos mesmo você considerando ele como um irmão.
Vou te explicar tudo assim que chegar e colocar meus pensamentos em ordem. Você pode ficar com o frigobar, vai ser de alguma ajuda. Em troca você pode me mandar essas caixas para o endereço que eu escrevi nelas? O dinheiro que está nesse envelope deve pagar o frete.
PS: Segui o seu conselho enquanto pude, tentei não fazer nada de cabeça quente, mas não pude. Não passei no bar porque quero me afastar dele o mais rápido o possível. Espero que você entenda.

Com amor.
Seu amigo Téo.”

Colocou as duas caixas na escrivaninha e o envelope com a carta sobre elas.

Tudo bem
A timidez já não importa mais
Eu já sei
que o tempo não pode voltar atrás

Pegou o celular e procurou o telefone da amiga na agenda. Mandou uma curta mensagem “Deixei um presente pra você no meu quarto. Venha buscar”. A curiosidade dela deveria fazer o resto do serviço.
Tomou um banho e colocou sua ultima troca de roupa disponível. Colocou a mochila nas costas e fechou o zíper da jaqueta.

Aqui o vento congela
Aqui, ninguém mais me espera
Espere a hora certa pra me olhar
que eu vou estar lá
que eu vou estar lá
Espere a hora certa para olhar

Parou na frente do quarto dele, pensou em dizer adeus por um segundo. Desistiu. Desceu as escadas colocando o capacete, deixou as chaves na mesinha da sala. Saiu na porta da frente e olhou para o céu azul com poucas nuvens, um vento fresco anunciava um dia tranquilo.
Era hora de ir.
Abriu o portão, sem olhar para traz, sem mover o rosto, ligou a motoneta e saiu, desprezou todas as sinalizações.
O que ele não sabia é que alguém desligou rádio chorando. Alguém o viu abrindo o portão, alguém estava arrependido.
O tempo não pode voltar atrás...

Ontem te vi
saindo de casa
sem levar nada nas mãos

sem olhar as flores que eu segurava.

sábado, 17 de agosto de 2013

Capítulo 6 "(Me) Pegar ou Largar" FINAL

No dia da festa no Peggy’s eu acordei com uma estranha sensação. Um peso que estava nos meus ombros havia subitamente desaparecido. Tudo parecia se encaixar perfeitamente, nada estava faltando. Eu não sabia dizer o que era. Minha cabeça estava numa paz tão serena que quase instintivamente eu me dentei na janela do meu quarto e acendi um cigarro. Em longas tragadas eu observava o jardim comunitário atrás da casa do Greg. O dia estava tão claro e o céu tão azul e aberto, a brisa do mar enchia a cidade. De repente eu me senti parte de tudo isso. Foi quando me caiu a ficha:
―A Fuga acabou.
Troquei de roupa e desci as escadas com a intenção de ir até o mercadinho. No caminho uma senhora me cumprimentou e curiosamente eu consegui lembrar o nome e onde ela morava. Eu já era praticamente um cidadão de Santa Clara. Eu estava em casa.
Cheguei a casa com uma sacola cheia de compras já era quase onze horas. Resolvi ligar para o Greg:
―Alô?
―Gregório?
―Oi Téo, aconteceu alguma coisa?
―Não eu... Só queria saber se você almoça em casa hoje?
Senti uma pausa para estranhamento na voz dele.
―Hoje eu vou fazer alguns trabalhos internos na central. Acho que daqui à uma hora, uma hora e meia eu termino, daí eu pedi folga no resto do dia pra ajudar no Peggy’s e buscar o Argentino no aeroporto de Costa Azul. ― Ele deu uma pausa generosa após isso ― O que foi Téo, você está diferente.
―Eu não consigo explicar pelo telefone, quando você chegar em casa nós conversamos.
―Certo, me deixa desligar antes que o comandante chegue.
―Te amo.
―Também.

Decidi fazer o mesmo macarrão que comemos no nosso encontro no Skykeeper, mas quando eu desliguei o celular, vi que havia uma chamada perdida de um número desconhecido. Ninguém além do Greg e da Peggy tinham o número desse celular. Sendo assim, eu resolvi retornar a ligação:
―Gazeta de Santa Clara bom dia. ― Disse a voz no outro lado da linha. Minhas pernas quase caíram.
―Bom dia, meu nome é Theodoro, eu recebi uma ligação desse número, deve ter sido um engano.
― O senhor é o Theodoro Martins Alvares?
―Sim.
―Eu sou a secretária do senhor Bento José Custódio, Chefe da redação da Gazeta de Santa Clara, ele gostaria de falar com o senhor a respeito do currículo que o senhor nos enviou ontem.
―Claro.
―Ótimo, sua reunião com ele está marcada para hoje às onze e meia.
―Mas isso é daqui a 10 minutos!
―Tenha um bom dia senhor.
A vaca da secretária desligou na minha cara. Pela janela do escritório vi minha vespa estacionada perto do portão:
―É hoje que eu vou ver qual é sua velocidade máxima.
A sede da Gazeta de Santa Clara fica no edifício Santa Amélia, localizado numa área da cidade simpaticamente apelidada pela Peggy de “Zona de Gaza”. Uma região intermediária entre a Cidade nova e a Cidade velha.  Eu já havia passado por lá umas quinhentas vezes. O único problema é: se você tentar ir andando cortando o passeio público e a praça da igrejinha a caminhada dura aproximadamente quinze minutos.  Para conseguir chegar lá em menos de 10, eu deveria fazer o mesmo trajeto cruzando esses pontos turísticos em meu veículo.
Sentei na Vespa respirei fundo e fui. Nessa brincadeira quase atropelei uma senhora com um cachorro e um homem carregando umas caixas. Rezei para que nenhum guarda civil me visse.  Ainda mais o Gregório.  Mas isso é uma insegurança que fica pra outra hora. Porque agora eu deveria chegar em menos de 5 minutos. A praça da igreja estava na minha frente e uma linha reta se formava entre eu e a entrada do edifício. É hora de voar!
Como se os anjos dissessem amém. A praça estava deserta. Quando eu passei com minha motoneta, algumas pombas levantavam voo e cruzavam sobre mim deixando algumas penas caírem. Depois eu vi o edifício Santa Amélia coberto de uma luz divina. Claro que eu deveria estar louco de adrenalina, mas foi bem mágico:
―Oi eu sou o Theodoro Martins Alvares. Eu tenho uma reunião com o Senhor Bento.
―Ele vai te receber em um minutinho. O senhor pode aguardar sentado ali.
O minutinho se transformou em aproximadamente uma hora quando finalmente escutei o barulho de uma porta se abrindo e algumas pessoas caminhando. Para minha surpresa uma dessas pessoas era o próprio comandante Fúlvio. O chefe do Gregório passou por mim fardado e apenas me cumprimentou com a cabeça, seguindo o seu caminho.
O escritório do chefe da redação ficava nos fundos. Passei por mesas cheias de papel onde alguns jornalistas digitavam freneticamente e outros discutiam na frente do computador algumas coisas que eu não conseguia entender.
Na sala do editor havia vários arquivos e uma mesa cheia de papel. Meu coração quase saiu pela boca quando eu reparei que entre os livros na mesa estava uma cópia do Violeta, com um marcador de página indicando que a leitura já havia passado da metade. Será que era uma cópia comprada pelo comandante Fúlvio? Será que ele tinha visto isso por acaso? Ok, eu vou vomitar se alguém não falar nada!
―Vejo que aqui está o Theodoro Alvares! ―O editor chefe quebrou o silêncio ― Você é um filho da puta rapaz!
―Como assim?
―Você está na cidade pelo menos seis meses e só agora vem mandar seu currículo?
―É que eu não estava pensando em ficar aqui e tudo mais...
―Você está escrevendo seu novo livro sobre a cidade?
―Eu...
―Você não pretende difamar a cidade não é?
―Não eu...
―A editora me disse que você está mandando os rascunhos eu queria saber o que tem neles!
―Como?
―Tentando desconversar não é?

Que conversa de louco era aquela? E como assim, eu não escrevi uma linha nova, como a editora tinha rascunhos? Sidney? Bom enfim... Depois eu iria ficar sabendo de qualquer forma. Mas agora e essa conversa? Ele estava achando que eu iria escrever alguma coisa esculachando Santa Clara?
―Olha senhor Bento. Primeiro eu amo Santa Clara. É uma cidade linda realmente, eu nunca, em hipótese alguma escreveria algo ruim sobre a cidade. Porque eu amo Santa Clara e... Aqui é o lugar onde eu quero passar muito... Mas muito tempo mesmo.
Eu devo ter soado muito sincero, no final das contas ele encostou-se à cadeira e sorriu:
―Garoto, escute, eu estava discutindo isso com o Fúlvio agora mesmo. Você o conhece?
―Ele é o comandante da guarda civil não é? Meu... Primo ― Doeu ― trabalha lá.
―Sim e ele também é meu amigo de longa data. De certa forma ele é o responsável por você estar aqui agora.
Eu fiquei em silencio sentado na cadeira.
― Fúlvio me disse que um jovem escritor estava na cidade para buscar inspiração para seu próximo livro. Eu realmente temia que você acabasse falando algo desagradável da cidade, no final decidi ler seu livro.
―E o que o senhor achou?
―Genial!
―Genial?
―Genial. É um dos melhores livros de mistério que eu li nos últimos anos. Você é ótimo rapaz incrível mesmo. E na minha humilde opinião, você tende a crescer muito!
―Obrigado.
―Eu e o Fúlvio concordamos que um jovem promissor como você tem que criar raízes em Santa Clara, então eu fiz uma pequena pesquisa.  Theodoro Martins Alvares, 25 anos, formado em jornalismo. Nunca exerceu a profissão e nem demonstrou interesse. Nunca fez nenhum concurso, Nunca trabalhou com comunicação em nenhuma área. De fato a sua única fonte de renda tem sido seu livro. Que por sorte tem vendido o suficiente para você manter uma vida razoável. Eu tomei a liberdade de falar com seu agente literário, na intensão de marcar uma entrevista, ele me disse que você estava viajando para uma convenção no exterior, o que é claramente uma mentira, então você está tentando passar por despercebido aqui.
―Nossa, eu não sabia que eu valia toda essa pesquisa.
―Nós ainda não sabemos se você vale mesmo. Mas de uma coisa temos razão, Santa Clara precisa de você. Precisamos de um jovem escritor que em longo prazo possa trazer prestígio a essa cidade e é por isso que eu quero lhe oferecer um emprego aqui na Gazeta de Santa Clara.
―Bom, eu preciso mesmo de uma fonte extra de renda e eu estou realmente planejando me fixar por aqui.
―Ótimo. Não temos nenhuma vaga como repórter, mas me diga, quais são suas experiências com diagramação?
―Não sou muito bom, mas eu aprendo rápido.
―Você vai ter que aprender realmente rápido. Segunda feira eu quero que você se apresente no começo do expediente como assistente de diagramação, é a única vaga disponível no jornal agora. Com o tempo você pode conseguir o posto de repórter.
―Nossa, Estou sem palavras.
Bento pegou o meu livro na mão e disse um: “Elas estão todas aqui”. De fato fiquei assustado como meu livro tinha facilitado. Mas agora uma nuvem começava a surgir no meu céu perfeito. Eu não pretendia publicar mais nenhum livro. Eu já estava em Santa Clara para fugir do Violeta, mas agora por causa dele eu tinha conseguido um emprego, e nesse emprego, a promessa de que eu seria mais um ilustre cidadão de Santa Clara, um jovem escritor que narraria às belezas das praças e parques da cidade. Isso não estava certo.
Comecei a sentir uma pontada da ansiedade que me fez vir para cá em primeiro lugar. Entretanto, eu já tinha o emprego, isso era um problema que eu contornaria, cedo ou tarde, Talvez eu escrevesse algumas poesias bem bucólicas sobre Santa Clara, reuniria em um livro medíocre e publicaria. Isso deixaria o senhor Bento feliz, o comandante Fúlvio Satisfeito e renderia a mim e a Peggy muitas risadas. O Greg provavelmente acharia alguns poemas bonitinhos.
Despedi-me do redator chefe da gazeta de Santa Clara e fui guiando a vespa pela cidade lentamente ainda processando tudo. O céu não estava tão claro quanto estava hoje de manhã, nem o ar tão leve assim, afinal quando achamos que um problema acabou, na verdade ele apenas foi substituído por outro. Eu sabia que no fim daquele dia, quando me deitasse na cama com o Greg e me aconchegasse no peito dele, tudo ficaria mais claro. Eu precisava do abraço forte dele em caráter de urgência. Porém quando olhei no relógio vi que eram quase duas e meia da tarde.
Já era tarde demais pra almoçar, decidi fazer um lanche qualquer numa padaria aleatória e voltar pra casa. As sacolas estavam do jeito que as deixei. O camarão descongelado na pia retornou para o congelador. Comecei a arrumar todos os objetos que encontrava no caminho como uma maneira de esvaziar minha mente e não pensar que a partir de agora eu tinha contraído um débito com Santa Clara. A cidade havia me dado um emprego, um lugar na sua sociedade, em troca eu deveria eterniza-la em uma narrativa. Acho justo. Vou pensar em algo, mas não agora.
Fui arrumar o quarto do Greg, ele havia chego e pra variar jogado a roupa em cima da cama. Dei uma cheirada no uniforme dele, o cheiro doce do suor do Greg estava lá, era melhor colocar aquela troca de roupa na máquina. Quando puxei as calças dele vi sua carteira cair e esparramar papéis e documentos por todo o chão. Dinheiro que é bom...
Recolhendo os papéis do Greg eu só dava risada. Que tipo de pessoa guarda todas as notas fiscais da vida na carteira. Havia algumas bem velhas até já apagadas... Mas... Havia uma que me chamou particularmente a atenção...
Numa nota fiscal branca de papel simples estava anotado um número de celular. O mais curioso é que estava dobrado de forma que o número estava destacado e perfeitamente encaixado no fundo da carteira de forma que não estava amassado. Parecia que realmente estava guardado para alguma ocasião vindoura.
Eu desenrolei a nota fiscal e na verdade tratava-se na nossa compra de bebidas para a festa da Peggy. Decidi guardar aquela nota comigo, sem nenhum motivo maior. Agora eu tenho outras coisas pra fazer.  Coloquei a carteira do Greg sobre a cômoda e a calça junto com a roupa suja. Segui para o meu quarto, me sentei na frente do computador e respirei fundo. Era hora de escrever meus termos de rendição. Um e-mail para meu agente explicando minha situação, minha desistência de escrever qualquer coisa cedo ou tarde, e um pedido bem sem vergonha para que ele me ajudasse em qualquer consequência.

To: sydneyaventura@msaeditora.com.br
From: teoalvares87@gmail.com

Subject: desculpas

Sidney
Quero me adiantar a respeito do nosso acordo. Não sei como você está se virando com essa minha fuga, ou se ainda está se virando, mas não posso deixar de perceber o quanto fui idiota com você. Desculpa te deixar na mão amigo, mas o fato é que não consegui escrever uma linha sequer nesses seis meses.
Estou aqui declarando minha desistência. Dentro de uma semana ou duas pretendo retornar para a cidade onde lhe contarei todas minhas desventuras.  Me liga nesse numero 51 88021213, vamos combinar nosso encontro. Creio que vou precisar da sua ajuda para arrumar tudo.

Desculpas mais uma vez
Téo
Meu dedo pulsou sobreo “Enviar”, mas por algum motivo eu pensei “Deixa pra segunda-feira”, basicamente essa era minha reação imediata a qualquer problema que surge pra mim num sábado. Salvei o e-mail como um rascunho. Relaxei na cadeira com a nuca apoiada nos braços e respirei fundo. Olhei para os lados procurando algo para fazer. Meu estômago estava em chamas e eu não sabia o motivo. Olhei para a notinha fiscal sobre a mesa. Era aquilo que não encaixava. Greg guardava tudo que era lixo na carteira dele. Mas tudo vivia amassado e jogado de qualquer forma. Aquele era o único papel que estava dobrado e encaixado perfeitamente.
Desdobrei o papel o analisei. Era a parte da compra que o Greg passou no caixa. Havia o numero do depósito de bebidas, bem como o endereço impresso no cabeçalho da nota fiscal. No verso o numero de telefone escrito com esferográfica azul. Um pouco tremido, sinal de que foi escrito sobre uma superfície irregular, como a mão de alguém ou coisa do tipo. Era um celular. O monstro dos olhos verdes do ciúme me fez lembrar que a caixa havia anotado alguma coisa e entregue pro Greg enquanto ela dava algumas risadinhas.
Só por curiosidade eu decidi ligar. Deve ser o celular da entregadora 24 horas ou coisa do tipo. Eu não preciso viajar. O Greg não estava guardando o celular de nenhuma periguete. Vou ligar e pedir uma garrafa de vinho e vai ficar tudo cero. Isso mesmo.
Liguei.
―Alô ―Voz feminina.
―Boa tarde, é do depósito de bebidas?
―Não, é uma linha particular ― Voz nojenta de periguete no cio. ― Você deve ter ligado errado.
― Perdão, de quem é esse celular?
― É meu mesmo. O senhor deve ter ligado errado. ― A Menina desligou na minha cara sem ao menos dizer o nome.

Porque o Greg estava guardando o telefone de uma menininha tão nojenta, tão mal educada, e grossa. Se não me engano Peggy havia pedido em pelo menos duas ocasiões as notas fiscais. Ele a minha já havia sido entregue. Ele Estava junto quando, com a carteira na mão quando ela pediu.
Minha cabeça funcionava a mil por hora. Eu preciso desacelerar meus pensamentos antes que eu faça alguma besteira. Subi e entrei no meu quarto sentei na cama e tentei fazer todos os tipos de cálculos, pensar todos os tipos de porquês. Eu realmente queria ignorar, mas não dava. Eu ia acabar perguntando.
A porta da frente abriu, e Greg passou por ela me perguntando se eu estava em casa, eu não respondi ao primeiro chamado, mas reparei que ele estava subindo as escadas, acabei respondendo a um segundo chamado:
―No quarto.
Greg abriu a porta e se deparou comigo sentado na cama. Ele ficou parado me encarando, e eu não sabia o motivo. Quando caiu a ficha. Eu ainda estava com o celular numa mão, a nota fiscal na outra e eu estava chorando.
Pode parecer exagerado, mas eu nem me toquei que meu desespero chegava a esse ponto. Por alguns minutos eu me senti patético, como se eu não tivesse valor nenhum. O que era mentira, só poderia ser mentira, afinal eu estava em Santa Clara havia quase seis meses, boa parte desse tempo eu estava com o Greg, eu vi pessoas flertando com ele, vi ele as recusando. Mas um telefone guardado na carteira, num papel que ele deveria ter se livrado há muito tempo. Isso não estava certo mesmo:
― Isso caiu da sua carteira, enquanto eu levava a roupa suja pra máquina.
Greg passou a mão no cabelo e pegou a nota fiscal. Ele sabia do que se tratava, não dava pra desconversar, ele sabia exatamente do que se tratava:
― Eu sabia que você ia entrar em parafuso quando caso encontrasse isso. Foi só um flerte daquela menina do caixa no depósito. Não tem nada de mais, eu nunca liguei pra esse número.
―Quem me garante? ―A frase saiu sem pensar, dois segundos depois eu já estava arrependido de ter dito.
―Como assim?
―Greg, acho que pra todo mundo ao seu redor eu sou ou seu primo ou o cara que aluga um quarto na sua casa, sendo assim, se você quiser ficar com outras pessoas, nada te impede. Mas, eu até hoje pensei que isso nunca aconteceria. Agora com esse número de telefone, que segurança eu tenho?
―Primeiro você tem que aprender a confiar um pouquinho mais em mim, se eu disse que não sou bom em me relacionar com as pessoas, é porque eu realmente não sou bom caramba.
―Ótimo, certíssimo, e você vai usar isso como desculpa sempre que pisar na bola? Cada vez que me chamar de primo pra algum conhecido seu? Cada vez que desviar de qualquer toque meu? Você quer alguém pra foder de noite e ser o player 2 de dia? Quer que eu pegue no gol?
―Nossa como você ficou amargo do nada. Eu vou entregar essa nota fiscal pra Peggy.
―Greg, é a ultima chance.
―Como?
―Essa é a ultima vez que vou tolerar uma palhaçada dessas, eu não quero saber, não vou ser seu namoradinho de dentro de casa.
―Téo, não perca seu tempo me dando um ultimato. Você sabe dos meus sentimentos por você, não fica colocando demônios na sua cabeça.
―Então não me dê motivos pra criar demônios. ―Encarei o Greg olhando nos olhos dele, me aproximei e peguei o recibo das mãos dele. ―Eu vou tomar banho agora, me chama a hora que você quiser ir pro Peggy’s.
―Theodoro, para de drama, vai dizer que você não flertou com ninguém?
―Eu gosto de você Greg. Eu gosto de você, não de uma vadia qualquer que me atende no supermercado.
―Vai me dizer que você não gosta que flertem com você!
―Eu gosto Greg, eu gosto muito, faz muito bem pro meu ego. Mas eu não me sinto na obrigação de retribuir a todo mundo.
Greg ficou em silêncio. Eu acho que acabei de aplicar um golpe em seu ponto fraco.  Segundo Peggy ele tinha um sério problema de auto aceitação, eu não sei até que ponto minha compreensão admite isso. Uma coisa é receber um flerte, outra é corresponder, outra mais séria é guardar um número de telefone por alguns dias, com a promessa de usa-lo. Se ele tinha um número na carteira, será que ele não teria no celular?  Será que ele não teria bilhetinhos salvos em algum lugar do seu quarto? Será que eu não teria apenas o sortudo que por ventura, flertou com ele e acabou morando sobre o mesmo teto. Será que ele via nosso namoro como uma recompensa pelo fato de eu o achar atraente:
―Vou pro meu banho Greg. A hora que você for pro Peggy’s me chama Ok.
Deitei na banheira e deixei água quente cair sobre mim, decidi que não iria mais pensar em nada até que amanhã. O dia que havia começado tão bem ficou turvo e nebuloso. Era como se eu não conseguisse mais projetar nenhum futuro.
Fiquei pelo menos meia hora na banheira, havia separado uma troca de roupa simples, afinal era o Peggy’s e se a noite do microfone aberto era tão movimentada, era praticamente obvio que eu iria trabalhar. Jeans, camiseta preta e tênis. Minha escolha básica. Completamente vestido eu me sentei na cama e comecei a rabiscar as revistas.
Não demorou muito tempo e Greg bateu na porta do meu quarto dando sinal de que já estava indo. Ele não me esperou, apenas desceu as escadas e seguiu seu caminho até o carro.
― Carro? Mas o bar é aqui do lado!
― Ela sempre precisa buscar alguma coisa.
Melhor não buscar mais discussão.  Entrei no fusca azul do Greg.  Ele estava com a cara meio injuriada, provavelmente por causa da discussão, eu também não estava na minha melhor aura, pra falar a verdade eu não queria nem um pouco ir ao Peggy’s hoje, eu queria... Sei lá, tomar um sorvete e ver televisão. Sexo talvez?
Era cedo e não tinha nenhum freguês no bar. Um rapaz de cabelos escuros e encaracolados, nariz pontudo e olhos também escuros estava debruçado no balcão.  Aquele deveria ser o Argentino, Peggy estava ao seu lado brincando com seus dedos e tento uma conversa bem intima. Ela sorria bem boba. Era bacana ver os dois juntos.
Greg deu um tapa no ombro do rapaz:
―Ramonzito, há quanto tempo hein hijo de puta!
―Fala maricón devo estar a uns dois anos sem vir pra cá e te dar uma surra no Fifa.
―Meninos fazendo coisas de meninos ―Suspirou Peggy ― Ramon, esse é o Téo.
Ele esticou a mão pra mim e apertou com força, ele parecia ser bem simpático:
― Você é o namorado do Gregório então?
―Sim...
Fiquei sem fala, era a primeira vez que alguém colocava nesses termos, bom, nós éramos praticamente casados nessa altura do campeonato, sendo assim, eu achei até válida a observação do moço. Dei uma olhada para o Greg, ele parecia um pouco incomodado com a situação, eu resolvi deixar de lado. Ele poderia andar com o telefone de dez mil raparigas na carteira, mas no fim do dia era na minha cama que ele iria dormir.
— Tem algum serviço pra gente agora Peggy? — Greg já tentando desconversar.
— Na verdade eu e o Ramon já adiantamos quase tudo, a Priscilla chegou agora a pouco e já assumiu a cozinha, eu vou cuidar do balcão, o Ramon do som e das apresentações. Só peço pra vocês ficarem disponíveis para o caso de uma emergência.
Sentamos numa mesa no canto eu e Greg, os dois de cara fechada, Deixamos espaço pra que Peggy e Ramon namorassem:
— Você ficou puto com o fato de eu ter concordado com o Ramón?
— Não Téo, eu só não estou acostumado com a ideia de ter um namorado, só isso.
— Então você concorda que isso é um namoro?
— Quando eu discordei?
De fato, ele nunca havia negado que tínhamos uma relação. Apesar de nunca ter assumido.
—Só quero saber se depois disso eu vou ser seu namorado ou seu primo?
—Nossa hoje você está afiado hein Theodoro. Puta que o pariu.
— Desculpa Greg.
Ele bufou, balançou a cabeça e fez um gesto indicando que tudo bem. Depois de um tempo ele levantou da mesa dizendo que precisava de uma cerveja. Fiquei sozinho e amargando na mesa. Peguei a nota fiscal e fiquei olhando. Decidi entregar o papel e contar a história pra Peggy. Mas Greg estava no balcão pegando a cerveja com o Ramon, os dois conversavam bem animados.  O momento passou.
O Peggy’s lotou em pouco tempo e as apresentações começaram, entre um “Toca Raul” e um cover mau feito de Mamonas Assassinas tudo corria de uma forma tranquila, Peggy cuidava do bar com uma ajudinha do Greg, Ramón corria as mesas anotando as próximas apresentações. Cansado de ficar na mesa, eu fui para o balcão:
— Ué, deixou a mesa vaga por quê? — Disse o Greg enquanto atendia.
— Não é melhor eu vir pro balcão e deixar a mesa pra quem está acompanhado? — Greg me deu uma encarada feia. — Eu sei que você está trabalhando. A hora que aliviar aqui a gente senta lá fora. Lá está mais fresco e tem várias mesas.
Ele repetiu o gesto de bufar e dizer que está tudo bem. Peggy chegou nesse momento colocando a mão sobre o ombro do Greg e falando alguma coisa no ouvido dele. Com um aceno positivo com a cabeça ele passou para o lado de fora do balcão e se sentou do meu lado:
— A Michele e a Ângela chegaram e vão cobrir o bar hoje Peggy disse pra que eu curtisse a noite.
O lado bom de sentar no balcão do Peggy’s em noite de casa cheia: Bebida a rodo! Sempre que alguém esquecia que tinha pedido um drink ela o trazia para a gente. Eu já estava na segunda caipirinha e o Greg experimentava um mojito.
Ou eu estava muito bêbado, ou a qualidade das apresentações havia melhorado surpreendentemente. Um cover ótimo de Beatles, um comediante Stand-up e até uma contorcionista. Durante cada um desses atos eu tentava me aproximar do Greg, pegar na mão dele, me encostar nele, mas ele recuava:
—Quer parar de ser pegajoso?
—Tudo bem Primo. — Respondi com toda a ironia possível
—Pra mim deu, eu vou fumar um cigarro.
Ele saiu e foi pra área do fundo onde era permitido fumar, eu fiquei sozinho no balcão de cabeça baixa, até sentir alguém bagunçando meu cabelo. Era Peggy:
— Problemas no paraíso?
—Hoje tá foda Peônia. Hoje tá foda.
Contei da nota fiscal e das trocas de farpas entre eu e o Greg que duraram o dia inteiro. Contei do emprego, Contei do livro. Peggy me escutou com atenção, mas quando ela foi abrir a boca pra falar algo, o barulho de uma garrafa quebrando e uma das meninas chorando com um corte na mão tirou toda a atenção da Peggy:
— Quer ajuda?
—Não, eu me viro, é um corte superficial, vou à cozinha fazer um curativo. E você, vai com calma, tem dias que coisas ruins podem acontecer do nada, por motivos estúpidos.
Peggy e a menina do dedo cortado entraram na cozinha e eu fiquei sozinho no balcão mais uma vez. Esse cigarro do Greg estava longo, ele deveria estar lá fora a mais de meia hora.

Coming out of my cage and I've been doing just fine
Gotta, gotta be down, because I want it all

Os acordes começaram a tocar. Os primeiros versos. Era Mr. Brightside. Meu coração ficou apertado.

It started out with a kiss, how did it end up like this?
It was only a kiss, it was only a kiss

Eu precisava encontrar o Greg agora, fui até a área de fumantes e ele estava conversando com duas garotas. Meu sangue começou a esquentar. Entre uma tragada e outra do cigarro, elas tocavam em seu braço, brincavam com seu cabelo, riam e ele concordava com tudo isso.

Now I'm falling asleep and she's calling a cab
While he's having a smoke and she's taking a drag
Now they're going to bed and my stomach is sick

Eu fiquei sozinho no balcão, enquanto isso ele se divertia com duas vadiazinhas de bar? Uma das garotas pegou um cigarro do Greg e usou o cigarro já aceso nos lábios dele para acendê-lo, eu estava empedrado na escada vendo essa cena.
Se eu não tivesse saído lá fora, ele teria levado as duas para casa, provavelmente transaria com elas na nossa cama, Se eu não parasse com isso agora.

And it's all in my head
But she's touching his chest now
He takes off her dress, now, let me go
And I just can't look, it's killing me
And taking control

Meus pés pareciam granito, os passos eram pesados, a respiração não vinha, a vista tremia. Eu era o brinquedo dele? Eu era a piada dele?

Jealousy
Turning saints into the sea
Swimming through sick lullabies
Choking on your alibis

Ele não conseguia demonstrar sentimentos em público. Ele era uma pessoa reservada e fechada. Ele não era bom com intimidade e não queria criar lassos com outras pessoas.  Até que ponto isso era verdade? Será que pensar isso não é mero otimismo?

But it's just the price I pay
Destiny is calling me
Open up my eager eyes
'Cause I'm Mr. Brightside.

Uma das meninas nesse momento enfiou no nariz na barba do Greg e por um instante eu poderia jurar que houve um beijo bem embaixo do queixo do meu namorado. Meu sangue ferveu, meus olhos tremeram de raiva. Eu não consegui pensar direito. A última frase que Peggy me disse veio à cabeça. “vai com calma, tem dias que coisas ruins podem acontecer do nada, por motivos estúpidos.”
Nesse momento Greg me viu plantado a pouco mais de dois metros dele, eu vi a cor dele sumir, o vi ficar sem ação. Nesse momento eu vi tudo. Eu era apenas o brinquedo do Gregório, alguém que ele pudesse contar durante a semana pras necessidades físicas imediatas, mas da porta pra fora eu era apenas o colega de quarto, o primo, o cara que aluga um cômodo na casa. Eu não estava feliz com isso. Eu não ia me prestar a esse papel.
— Até mais Gregório.
Foi tudo que eu consegui dizer.
A mureta da área de fumantes tem aproximadamente um metro, depois dela tem um jardim comunitário mantido por todas as casas do quarteirão e posteriormente o quintal do Greg cercado por uma mureta de igual tamanho. Sendo que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta. Eu pulei a mureta da área de fumantes, e comecei a atravessar o jardim comunitário. Eu escutava meu nome sendo chamado ao longe. Mas nesse momento eu só queria minha cama, eu só queria estar longe. Eu só quero estar longe daqui...
Um segundo salto e estava no quintal do Greg, procurando a chave escondida no gnomo de jardim, quando uma mão forte me puxou e me fez olhar para frente. Greg havia feito o mesmo caminho e me alcançado.
— Téo, você está bem? Toma uma água e vamos voltar pra festa, não tem motivos pra você ficar bravo, ela só estava brincando...
Eu não consegui escutar mais nada...
— Eu não sou seu brinquedo... — disse baixinho pra mim mesmo
— Como é?
—Eu não sou seu brinquedo— Disse agora em um tom mais claro
—Para com essa história e vamos voltar pro bar, vem.
—Gregório eu não sou seu brinquedo – Meu punho se fechou e eu desferi um murro contra seu estômago. Greg sem fôlego caiu no chão do quintal e eu sem saber o que fazer corri para meu quarto.
Ele me amou. Em algum momento ele disse que me amou.
Ele me quis. Em algum momento eu sei que ele me quis.
Ele me desejou, eu sei disso.
Ele ficou desconfortável. E quem não ficaria com essa pessoa grudenta e carente que sou.
Mas acabou.
Meu amor.
Minha fuga
Adeus Greg...



….



…....


Duas pessoas sozinhas no banco de uma praça olham para o horizonte, sem uma palavra as duas sabem que tudo acabou... Tudo acabou... Como é o ponto final de uma história de amor?


Uma lágrima?



Uma Lagrima.

Lá estava eu deitado na cama, com o antebraço cobrindo os olhos e chorando. Quando a ideia de uma lagrima, a cena de duas pessoas em algum parque de Santa Clara conversando sobre o fim. Eu precisava escrever.

Foram horas sem fim, não senti fome nem sede. Eu apenas escrevi. Um arco se formou na minha mente. Meu coração palpitava, as lágrimas caíram. Eu nem sei em quem eu pensava, ou no que. Eu só escrevia. No fim lá estava.

To: sydneyaventura@msaeditora.com.br
From: teoalvares87@gmail.com
1 Anexo: sem título.docx

Subject: desculpas

Sidney
Quero te pedir desculpas pela demora.  Acabei escrevendo qualquer coisa. Acho que pode dar certo. Não revisei, nem corrigi, você pode cuidar disso pra mim, não tenho cabeça pra mais nada.
Devo chegar amanhã cedo. Nem sei que dia é hoje, mas enfim, me liga no seguinte número: 51 88021213 caso queira mais detalhes. Assim que eu chegar em casa te ligo.

Desculpas mais uma vez
Téo


Meu bloqueio acabou.
Minha fuga acabou.

Adeus Santa Clara

Adeus Gregório.



Fim da Primeira parte.








quinta-feira, 4 de abril de 2013

Eu e a Chuva

- Eu havia me esquecido de uma coisa...
- O que?
- Que eu não odeio a chuva.
Ele deu risada como se eu tivesse dito a coisa mais idiota do mundo.
- Sério mesmo?
- Sério. 

Eu pensei em colocar minha cabeça em seu ombro. Mas decidi que era melhor não, Então me afastei dele. Comecei a chutar algumas poças de água.
- Você parece uma criança.
- Eu pareço? E você É uma criança. 

Ele deu uma risada sarcástica como sempre. Eu olhei em seus olhos, hoje estavam especialmente esverdeados, estavam especialmente tristes. 

- Você não tem mais a capacidade de me magoar. - Acabei soltando essa frase.
Ele ficou em silêncio. No final, balbuciou alguma coisa. Na minha cabeça queria que fosse algo como "Mas você ainda tem". Não importa o que tenha sido.

Parei em uma poça de água limpa onde podia ver meus sapatos todos ensopados, mas eu não ligava. Debaixo de um pé de ipê rosa senti as flores caindo com o peso da chuva e flutuando sobre a água. Era como um banho de ervas com água gelada que me fazia sentir cada vez mais vivo.

Olhei de novo para ele, dessa vez de pé, vindo em minha direção. Foi quando percebi, eu estava sorrindo, mas em meus olhos haviam lágrimas: 
- Você não tem a capacidade de me magoar. - Disse em voz baixa para mim mesmo.
Ele esticou a mãe e tirou uma flor que estava no meu cabelo, jogou a flor na água.

Que sensação estranha é essa?

Só sou feliz quando chove afinal.


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Galerinha essa é uma cena que escrevi mas não encaixei no livro.
Fica como um tira gosto
Em breve trago o desfecho da primeira parte.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Capítulo 6 “(Me) Pegar ou largar” 3ª Parte


Se eu dissesse que havia perdoado e esquecido toda a história do parque. Eu certamente estaria mentindo. Naquela tarde, Santa Clara estava especialmente quente, dessa vez eu emprestei uma das regatas do Greg (que pra mim ficava um pouco larga). Peggy havia nos dado uma lista com pelo menos uma dúzia de bebidas diferentes. Cada item possuía uma especificação, indicando pelo menos duas marcas ou duas características de cada bebida. Algo como “Vodca (não a mais cara, mas nada de vodca barata, trazer das marcas X ou Y)”. De fato, a lista ocupava a frente e o verso de uma folha de caderno.
A Caminhonete dela cheirava a hidratante feminino. Era vermelha e tinha uma caveirinha bobble-head em cima do console, de lacinho, tocando guitarra. Claramente era o carro da Peggy.
Eu estava escorado na porta bem ao lado da janela e aproveitava o vento enquanto estudava a lista de compras. Greg pegou uma longa sequencia de sinais verdes na avenida. Eu coloquei a lista de compras no bolso da bermuda e fiquei fazendo ondas no ar com o braço e enquanto isso eu só conseguia pensar em como seria minha relação com o Gregório de agora em diante. Se ações como a do parque se tornassem constantes certamente nossa relação não teria mais futuro e eu certamente me machucaria demais, nós brigaríamos e nunca mais nos falaríamos. Por consequência eu perderia o contato com a Peggy e deixaria Santa Clara muito frustrado. Caso isso não acontecesse novamente, mas a atitude de Greg não evoluísse, nós iríamos acabar ficando mais amigos do que namorados e no fim das contas eu não conseguiria mais ter tesão por ele. No fim das contas, acabamos como amigos, eu parto pra procurar outra relação, mas isso pode levar muito tempo. Tempo que eu não tenho.
Fora isso já se passava quase seis meses da minha fuga. Como será que Sidney estava se virando para explicar na editora? Eu não dei nenhuma satisfação para ele desde que vim para cá. Se eu não aparecesse com algo novo, algo realmente bom, certamente ele não me agenciaria mais. Eu estaria queimado nas editoras e ninguém publicaria mais nada meu. Inspiração é algo que vem, acontece do nada, mas ela só vem se você se exercita, lê, vive. Eu tenho vivido com Peggy e Greg nesses tempos, mas ao mesmo tempo, eu não tenho trocado muito de ares. Preciso ver mais pessoas em movimento... Eu preciso de um emprego aqui em Santa Clara. Algo temporário. Eu já tinha encarado mais de uma vez a página do jornal local. Quase cliquei no link do RH umas duas vezes. Mas aceitar um emprego em Santa Clara significa que eu não estaria mais em fuga, significava criar raízes.
Criar raízes em Santa Clara não era um grande problema, se eu sentisse que Greg estivesse pronto para algo mais profundo. Não estou dizendo que eu queria em menos de um ano ele me pedisse em casamento ou coisa do tipo, mas nesse tempo o máximo que fazíamos era ir ao Peggy’s, sentarmos ao balcão e pedir cervejas, Greg falava que havia detido algumas crianças tacando pedras nos postes de luz e seus pais diziam que elas estavam “apenas brincando”. Devido a essas “brincadeiras” a câmara municipal iria aumentar o imposto em quase cinco por cento.  Eu contava que tinha lido um romance ótimo, que tinha rascunhado alguma coisa para um livro novo, o que na verdade era mentira porque eu não conseguia pensar em nada novo. Greg sorria , pedia uma porção de cebola frita, nós repartíamos e íamos para casa, Depois de fechar a porta e as cortinas no quarto, ele tentava me beijar, eu brincava que ele estava com bafo de cebola, mas que para o azar dele eu amava cebola. Ele dormia no meu quarto. No meio da noite ele acordava. Via-me sentado rascunhando alguma coisa, me abraçava e voltava para a cama.

No decorrer desse período, ele era um verdadeiro príncipe dentro de casa. Eram raras as ocasiões em que íamos a um lugar diferente do Peggy’s. Se eventualmente íamos ao mercado juntos, cada um pegava o próprio carrinho de compras e fazíamos compras separadas. No cinema só fomos duas vezes. Greg pedia para Peggy sentar entre nós dois, ela fechava a cara, mas o fazia. Ele sempre andava a dois passos a minha frente ou atrás de mim, nunca ao meu lado. Sempre que conversávamos em público, ele respondia de maneira breve e direta. Era no Peggy’s que ele se soltava um pouco mais. Lá ele desabafava alguns problemas do trabalho e teve uma vez em que ele até pegou na minha mão. Mas quando olhei ao redor, vi que estávamos sozinhos no bar. Até mesmo a Peggy estava arrumando as garrafas no estoque.
Por isso eu acho tão difícil pensar em ficar de vez aqui. Entretanto, se eu analisar bem. Eu estou instalado, comprei um frigobar e uma Vespa, tenho um namorado. Eu tecnicamente posso transferir meu título de eleitor pra Santa Clara e ficar de vez aqui. Mas primeiro eu preciso de alguma coisa que me prove que Greg vai ser o homem definitivo. Alguma coisa me prove que vou poder ficar muito tempo com ele.  Como meu namorado me pode me tratar como um colega de quarto na rua e ser o cara mais doce e legal do mundo dentro de casa?
Pelo menos ele não me apresentava mais como primo. Quando um conhecido dele nos encontrava juntos ele me apresentava “Esse é o Theodoro”. E quando surgia um “Então o que ele é seu?” eu mesmo respondia “Eu alugo um quarto na casa dele”.  Mas cada vez que isso acontecia, eu sentia que ia vomitar. Ele me olhava com uma cara de “obrigado” e eu respondia com uma cara de “você me deve por isso”.
Na verdade. O que eu poderia pensar sobre o Gregório era que ele era o típico garoto do armário. Veja bem. Eu nunca tecnicamente contei para os meus pais da minha opção sexual, tipo, sentei num sofá e disse “Pai, mãe, sou gay”. Comigo as coisas aconteceram de uma maneira tão natural. Certo dia eu chamei o Gio para ir à casa dos meus pais. Quando nós chegamos lá nós demonstrávamos tanta intimidade e cumplicidade, que minha mãe me chamou na cozinha e me perguntou “Theodoro, você está namorando esse rapaz?” eu só respondi “Sim” e ela respondeu “Seu pai não vai gostar nada disso”. Quando cheguei na sala meu pai conversava muito animado com o Gio, os dois bebiam vinho e riam foi quando minha mãe soltou o veneno “Que bom que você está se dando bem com nosso genro”.  Achei que meu pai fosse ter um infarto. Nós jantamos sem dizer uma palavra. Meu irmão ainda estava no colegial, dava risadinhas escondidas, Gio parecia perfeitamente confortável nessa situação. Ele está acostumado a ignorar todas as pessoas ao seu redor, eu não tinha essa capacidade. Meu pai ficou quase um ano sem falar comigo depois daquele dia.  Até que no natal do ano seguinte, eu estava bem mau pelo fato do Gio ter voltado para a Itália. Eu estava no meu antigo quarto sentado vendo algumas fotos nossas quando ele entrou e disse “Eu só quero que você consiga realizar todos seus projetos filho” e saiu do quarto.
Greg perdeu os pais antes de eles saberem que ele ama meninos e meninas. Por isso acho que ele não teve ninguém pra dizer “Eu te amo independente de quem você seja” como meu pai fez daquela forma velada dele. Será que eu teria que ser aquela pessoa? Isso é muita responsabilidade. Eu não sei se aguento.
Uma vez eu disse brincando numa mesa de bar “Homem meu não pode se ferir tão fácil”. A sogra de um conhecido me disse “E o que você vai fazer? Deixá-lo morrer?”. Acho que ela estava me dizendo que, quando você ama alguém, você deve dar apoio a essa pessoa. Ajudá-la a passar pelas suas dificuldades e crescer. Eu quero ajudar o Greg a crescer e sair da sua concha. Mas eu não posso fazer nada se ele não tomar iniciativa.
E lá estava eu nesse empasse. Não sei se caso, se compro uma bicicleta ou adoto um cachorro. Fiquei tão entretido pensando nisso que nem percebi quando Greg encostou o carro na frente do depósito de bebidas:
―Você não vem?
―Estou indo.

Desci do carro com a cabeça nas nuvens e comecei a acompanha-lo, Greg falava alguma coisa sobre aproveitar o cartão de atacado da Peggy e pegar algumas bebidas para a gente, eu apenas concordava com tudo que ele falava e voltava a fazer meus cálculos mentais. Coisas inúteis tipo “se o Greg me der um sinal, qualquer que seja, eu vou procurar um emprego na cidade”. Depois meu pensamento passou a ser “Dane-se, eu preciso mesmo sair de casa, vou procurar alguma coisa pra fazer” e no final das contas minha decisão final foi “Comece a trabalhar no primeiro lugar que te oferecerem e já contrata um advogado pra ver a quebra de contrato com a editora”.
De fato. Minha cabeça estava uma bagunça desde o incidente com o comandante Fúlvio. Eu estou bem dividido entre começar uma vida em Santa Clara ou voltar para casa. Mas nesse exato momento eu estou aqui, lendo o rótulo de um suco de Cranberry. Na lista de Peggy dizia que deveríamos pegar 4 litros do suco. Mas eu estava perdido em meus pensamentos. Querendo saber exatamente o que fazer. Greg passou por mim e me deu um tapa no ombro:
―O que foi?
―Nada.
―Terminou sua parte?
―Preciso pegar xarope de Grenadine e calda de menta ainda.
―Termine logo, eu vou pra fila do caixa segurar uma vaga.
― Ok.
Eu me perdi no depósito. Não consegui achar a calda de menta, peguei dois litros de licor de menta mesmo.  Nem me toquei, mas nessa brincadeira toda de procurar por calda eu perdi quase vinte minutos. Quando cheguei ao caixa, Greg já tinha passado boa parte da compra. Nisso o caixa do meu lado tinha acabado de vagar. Eu decidi passar o meu carrinho separado.  Greg fez uma careta e deu de ombros.
Enquanto a moça do caixa passava as garrafas e caixas de suco eu fiquei observando Greg de longe. Será que ninguém nunca disse pra ele que ele era lindo e elegante. Mesmo de bermuda, regada e chinelo, ele tinha uma majestade rara em homens da idade dele. Não sei se é a barba ou se é a altura, a postura impecável ou o par de olhos azuis que sempre guardam uma sombra de tristeza.  Até a mulher que o atendia estava impressionada. A rapariga só faltava se jogar nos braços dele. Naquele momento eu me sentia nos céus. Ela poderia tentar o quanto fosse. Ao final do dia ele era meu.  Ela pegou o recibo, anotou algo e entregou ao Gregório com um sorriso se orelha a orelha.

A festa da Peggy iria acontecer daqui a dois dias. Eu já havia mandado um currículo para o Instituto de Artes de Santa Clara, para a Prefeitura, para algumas ONG’s , mas ainda não tive coragem de mandar para o Jornal. A Gazeta de Santa Clara era um jornal regional relativamente prestigiado, em circulação desde 1890. Eu mesmo havia lido boa parta das principais notícias do jornal e conhecia relativamente bem suas principais notícias das ultimas décadas:
―Quer saber de uma coisa... “Trabalhe com a gente” Cliquei. Nome... Telefone para contato... Endereço... Anexe o seu currículo aqui... Enviar.
Encostei-me à cadeira do computador como se tivesse tirado um peso enorme das minhas costas. Agora é só esperar...
Dormi que nem um bebê.

______________________

Galeres. 
To postando essa partezinha do Capítulo 6 porque faz muito tempo que não posto nada e também porque faz muito tempo que não to conseguindo escrever nada.
Acho que vou fugir pra Santa Clara e procurar meu Greg.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Capítulo 6 “(Me) Pegar ou largar” 2ª Parte


Ficamos sentados na escada por mais ou menos umas duas horas depois disso. Eu realmente queria ficar ali. Parado no tempo, minha mente tinha clareado e eu comecei a pensar que tinha exagerado com o Greg. Aquele comandante deve ser muito estúpido mesmo para ter engolido essa história de primos, ou, quem sabe, ele deve ser uma pessoa muito boa, ter percebido tudo e ter se deixado enganar para não causar nenhum constrangimento para o Gregório.  De qualquer forma, criei uma simpatia pelo comandante Fúlvio.
Depois de um tempo essa ideia de tão ridícula ficou cômica. Eu acabei soltando uma risadinha. Coloquei a cabeça entre os joelhos e comecei a dar risada. Greg achou que eu estava chorando:
― O que foi?
―Eu estou rindo.
―Do que?
― Dessa situação toda. Tem ideia o quão é estúpido você dizer que eu sou seu primo? Nós nem somos parecidos.
―E eu nem tenho tios pra ter primos ― Ele deu uma risadinha nervosa.
― Eu exagerei. 
―Não, você não exagerou. Você só estava sendo você mesmo.
―Meu lindo. ― Dei um beijo longo nele e ele se debruçou sobre mim na escada e começamos a nos pegar ali mesmo.
― Sabe que eu nunca beijei um primo meu. E olha que eu tenho uns lindinhos.
―Melhores do que eu?
―Não. Você é único.
―Sabe uma coisa que me contaram um dia?
―O que?
―Amor de primo é pra sempre. ―Eu comecei a rir.
― E sabe o que me falaram sobre isso?
―O que?
―Transar com primo é igual beber vodca barata.
―Por quê?
―Porque quando você faz. Não conta pra ninguém. E possivelmente no outro dia você terá uma dor de cabeça terrível.
Nós dois começamos a rir. Greg começou a falar com a voz mole “Ainda bem que você não é meu primo” e começou a tirar minha camiseta suada. Eu fui mais rápido e tirei a bermuda dele com os pés (pequeno truque eu conheço). Ele usava uma das cuecas que eu tinha comprado.  Beijei-o no pescoço e a barba dele me espetava.
Ia acontecer lá na escadaria mesmo. Mas escutamos a porta abrir e a voz debochada de certa ruivinha começou a ecoar pelas paredes:
―Meus senhores! Os senhores estão numa casa com três quartos. Façam isso em um deles.
Greg saiu de cima de mim e sentou de pernas cruzadas na escadaria. O coitado não sabia onde esconder a cara. Eu taquei minha camiseta na Peggy:
―Se não quisesse ver nada, batesse na porta pra entrar!
―Meus senhores, que baixaria, eu achei que estaria entre homens de classe.
―Vai para de graça. Fala logo o que você veio fazer aqui sua perdida.
―Olha esse aí. Até colocou uma lanterna na cueca ―Agora o Greg evaporava de vergonha.
―Eu... Vou tomar um banho... ―Greg ergueu a bermuda e saiu correndo para o banheiro.
―Banho... Sei... Téo eu vim pegar aqueles filmes que você me prometeu. E, além disso, eu tenho umas novidades bacanas pra contar, mas vamos esperar o Greg terminar o “banho” dele.
―Ok, está tudo no meu notebook. Vamos lá ao quarto que eu passo pra você. Trouxe Pen Drive?
―Oito gigas. Serve?
―Serve.
Peguei a Peggy pela mão e a levei para o meu quarto. Chegando lá eu encostei a porta e liguei uma música baixinha. Enquanto eu transferia os filmes para o seu pen drive, contei tudo que aconteceu no parque. Acabei desabafando sobre o comportamento do Gregório. Ela como sempre ouviu pacientemente:
―Eu não tiro a sua razão. Mas posso te perguntar uma coisa? Se ele tivesse te chamado de qualquer outra coisa, você teria ficado ressentido?
―Pra ser sincero, eu acho que se ele tivesse me chamado de amigo ou colega de quarto eu teria ficado menos nervoso, mas ainda sim descontente. Sabe... Eu realmente gosto do Greg, mas dentro de casa é uma pessoa, fora ele é outra. Ele me trata como o “bróder” dele na rua, daqui a pouco ele me pede pra “tocar aqui”.
Peggy deu uma risada. Era uma situação cômica falando a verdade. Mas eu não gostava disso. Uma vez dormi com um cara que me chamou de “mano” durante o sexo. Nunca mais liguei para ele. Não que ele fosse uma pessoa ruim, mas “mano”? Não se chama alguém que você se deita disso. Greg ainda não me chamou disso, mas ele estava me tratando como um amigo fora de casa e um namorado dentro. Eu quero ser o namorado dele em qualquer lugar. No fundo é isso que eu queria:
―Dê mais tempo pra ele. É a primeira vez que ele namora, acho que ele não sabe como lidar ainda. Fora isso não se esquece de que ele é completamente fechado com estranhos. Não é da personalidade dele andar de mãos dadas ou te colocar no colo. Mas... Eu creio que com o tempo ele vá sim ser mais seu namorado e menos seu “bróder”.
―Assim espero.
―Relaxa viado, vai dar tudo certo.
―Tomara travesti.

Peggy foleava minha anotações, enquanto eu transferia os filmes. Ela conhecia o Greg como ninguém. Era a única pessoa em que ele confiava:
―Peggy, quantas pessoas sabem que e o Greg é gay?
―Ele não é exatamente gay sabe. Como eu te disse, eu já o vi como homens e mulheres.
―Bissexual, que seja. Quantas pessoas sabem?
―Bom, ele já ficou com alguns amigos meus. Às vezes ele ficava com uns rapazes no Peggy’s então alguns fregueses mais comuns de lá sabem. Como eu te disse antes, não era raro encontrar vestígios de outras pessoas nessa casa. Mas eu já encontrei cuecas de um tamanho diferente até um Sutiã. No fundo acho que ele só recompensava as pessoas que lhe davam atenção. Sabe os pais dele viviam naquela loja, o Greg ficava sozinho em casa o dia inteiro. E, logo quando entramos no colegial, ele era muito feinho, da pra imaginar que ele tinha barba desde os 14 anos?
―Sério?
―Sério. Ele era magrelinho e tinha barbinha e era bem alto já. Então acho que quando ele cresceu mais um pouquinho que ele finalmente encorpou, ele passou a “recompensar” as pessoas que demonstravam interesse. Claro que é como eu te disse. Ele vivia se machucando com isso.
Peggy tratava o Greg como alguém a ser protegido. O eterno lobo solitário. Claro que eu pude me identificar um pouco. Os longos jantares em que eu, meus pais e meu irmão comíamos uma refeição inteira sem trocar uma palavra. Meu irmão sempre me tratando como um inferior, muitas vezes pelo simples fato de eu não querer ir a uma festinha de estudantes. Meus pais me olhavam com condescendência. “Pobre Téozinho, não consegue se enturmar com o resto da turma, será que deveríamos procurar um psicólogo?”, “É só uma fase, logo passa”. Mas a fase nunca passou. De fato eu me esqueci dos meus colegas de escola muito rápido. Até que em uma bela festa da faculdade, um rapaz troncudo, sorriso largo, olhos escuros como a noite chegou para mim e disse: “Nossa como você é gato.” Eu perdi minha fala por alguns segundos. Senti um calor no peito, mas nunca tinha me interessado por nenhum rapaz antes. Eu apenas soltei a primeira frase de agradecimento que me veio à cabeça.  “Fico lisonjeado”. Ele deu uma risada longa, me pegou pelo braço e me apresentou para seus amigos. Não preciso dizer que esse rapaz era o Gio. Mas quando ele me apresentou para aquelas pessoas, eu finalmente consegui aquilo que Peggy chamava de “Crianças da Cidade Velha”. Um grupo de desajustados e problemáticos que não se misturavam com ninguém, mas que no fundo se amavam e se respeitavam.
Talvez eu, Peggy, Greg, Gio e as demais crianças da cidade velha não passassem de um bando de nerds, problemáticos, desajustados, gays, e antissociais. Mas quando estávamos juntos em nosso mundo fechado vivíamos num paraíso. Seja no barzinho da esquina da faculdade, em nossos apartamentos ou no velho mirante de Santa Clara. Eu fiquei pensando nisso por algum tempo. Pensei em todas as vezes que, assim como Greg, fiquei com pessoas só para não ficar sozinho. E como isso machuca muito. Tudo que eu menos quero é machucar o Gregório. Mas não quero que ele me machuque.
Já estava quase terminando de transferir os filmes quando bateram na porta do meu quarto. Era o Gregório de cabelo molhado cheirando a banho recém-tomado. Ele entrou e se sentou ao lado da Peggy na cama. Começou a fuçar entre meus livros e rascunhos até encontrar uma cópia do Violeta. De fato era a cópia dele que estava no escritório, mas que eu inconscientemente coloquei no meio das minhas coisas:
―Seu livro?
―É.
―Se importa se eu ler?
―Não.
Peggy estava mais interessada na minha edição americana de Scott Pilgrim. Eu havia terminado de transferir todos os arquivos:
 ―Pensa rápido ― Taquei o pen drive para Peggy que o pegou no ar.
―É você nessa foto? ―Greg apontou para a foto da minha biografia na orelha da contracapa.
―Pois é. Melhorei um pouco não acha.
―Você está com muito cara de jovenzinho nessa foto.
―Meu não avacalha.
―Ai deixa eu ver, deixa eu ver. ―Peggy pulava na cama como uma criança.
Os dois davam risada da minha foto, o que me levou a tomar o livro do Greg e coloca-lo em uma gaveta na escrivaninha. Joguei o corpo para traz e me afundei na cadeira da escrivaninha. Greg era realmente outra pessoa quando estava entre amigos. Queria que ele fosse assim sempre.
―Bom. Como eu disse, eu estou com duas novidades das boas. ―Peggy ficou de pé na minha cama fazendo pose como se estivesse no palco. ―Primeiro: Daqui a dois sábados eu farei uma noite do microfone aberto no Peggy’s.
― Uhul! Bravo! ―Greg aplaudiu.
―Mas que porra é essa?
―É uma noite onde qualquer um pode se apresentar, por cinco minutos, no palco do Peggy’s. Seja contando piadas, cantando, dançando e teve uma vez que até uma mina fez strip-tease. Se por acaso a pessoa for muito ruim. Eu de lá do balcão, disparo uma sirene. É muito comédia.
― E quem manda bem ganha uma cerveja. ―Completou Greg.
―Essa é a noite que mais dá trabalho, e eu só faço isso umas duas vezes por ano. Eu geralmente chamo mais umas duas pessoas pra me ajudar. E até o Greg entra na dança.
―Então você veio aqui pra pedir nossa mão de obra né sua mafiosa. ― Taquei uma almofada na Peggy.
―Claro que não e isso tem a ver com minha segunda novidade. Gregório seu pervertido advinha quem está voltando para Santa Clara e dessa vez para ficar!
―Quem?
―O Argentino!
―Ah! Não brinca! O Ramón vai voltar pra Santa Clara?
―Quem é esse? ―Eu apenas boiando. Greg se levantou e me abraçou por trás, colocou o rosto no meu ombro e disse:
―O namorado da Peggy.
Eu fiz uma cara de susto, nunca tinha me passado pela cabeça que Peggy tivesse um namorado. De fato, Greg era reservado, mas Peggy conseguia ser muito mais reservada que ele:
―Como assim você tem um namorado e você não me conta?
―Você nunca perguntou ué.
―Mas agora você conta essa história direito.
―Bom como começar. Lembra que eu te contei sobre as crianças da cidade velha. Bem o Ramón era filho de um casal de artesãos argentinos que se mudaram para cá e vendiam peças pras boutiques de toda a região. Quando ele se mudou para cá não falava uma palavra em português, ai ninguém queria fazer amizade com ele. Daí ele se juntou com a gente. Nós tomávamos vinho de garrafão no mirante e quando fizemos 15 anos ele me pediu em namoro. Eu aceitei. Mas quando terminamos o colégio, os pais dele tiveram que voltar pra Buenos Aires e ele foi junto, tentar fazer faculdade. Nós tentamos levar um namoro à distância, mas na época não deu muito certo. Então decidimos que rolaria um namoro aberto. Eu fico com quem eu quero, Ele fica com quem ele quer, mas quando estamos na mesma cidade nós só ficamos um com o outro.
―E isso funciona?
―Não muito. Não vou pra cama com ninguém há dois anos.
―E você acha que ele não foi com pelo menos outras 10 nesse período? ― Gregório mostrando seu lado Bitch. ―Ele é um rapaz bem afeiçoado.
―Greg você pode chamar um cara de bonito se você quiser. Eu não me importo coração. ―Dei um tapinha leve no ombro do Greg que deu uma risadinha de cumplicidade.
―É eu sei, mas eu não consigo ir pra cama com nenhum outro cara e não ver a cara de cachorro recém-caído do caminhão de mudança dele. ― Peggy abraçou a almofada e rolou pela cama e depois tacou a almofada em mim.
―Ok. E quando é que ele chega?
―Semana que vem.  Ao que tudo indica ele vai dar aula de violão no Instituto de artes de Santa Clara.
―Ele conseguiu entrar no instituto? Nossa que legal.
―O que diabos é o instituto?
―É como se fosse uma escola de artes, eles ensinam música, canto, pintura, escultura, dança, desenho e tudo mais.
―É mantido pelas irmãs e é uma escola conceituadíssima. ―Greg como sempre completando.
―Bom, que sorte a sua hein Peggy. Não tem nada pior do que a pessoa que a gente gosta estar longe. ―Não tive como não me identificar.  Eu sei que Buenos Aires pode ser atingida de carro ou ônibus, mas com certeza era a mesma coisa que o Gio em algum lugar da Itália. ― Por sorte a pessoa que eu gosto está bem aqui nesse quarto. ― Prendi a cabeça do Greg com meu braço e dei um cascudo nele. Ele respondeu me dando uma chave de braço ―Para... Machucando...
Ele me soltou e eu o joguei na cama:
―Meus senhores. Tem uma dama nesse quarto!
―Quer brincar também? ―Taquei outra almofada na Peggy.
―Menage? Hoje não.
―Ah, mas eu vou te pegar. ― Greg agarrou Peggy e começou a fazer Cócegas na costela dela.
Eu abracei os dois e caímos os três na cama. Eu dei um beijo no rosto da Peggy e um Selinho no Greg. Ele deu um beijo na Testa da Peggy e me devolveu o selinho. Peggy mais ousada nos deu um selinho em cada um. Ela se levantou e caminhou até a porta:
―Hoje eu vou ver uns filmes. Amanhã eu começo a cuidar dos preparativos para a noite do microfone aberto. Eu vou precisar de um estoque reserva. Vocês poderiam me ajudar pegando umas bebidas na cidade nova né?
―Como quiser. ― Respondeu Greg.
―Ótimo. Eu te empresto a caminhonete.
―Você tem uma caminhonete?
―Téo, você não sabe nada sobre minha pessoa mesmo hein. Até mais garotos. Vou deixar vocês Dor-mi-rem...
Ela saiu falando a palavra “Dormirem” cada vez mais baixo pelo corredor. De fato não dormimos aquela noite.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Capítulo 6 “(Me) Pegar ou largar” - Parte 1


Uma coisa sobre a carência sentimental crônica: Você não pode receber um pouco de atenção, que passa a ser um viciado nela. Você quer cada vez mais atenção, carinho, demonstrações de afeto. Isso chega a ser assustador.  Eu me lembro de quando tive meu primeiro caso de uma noite. Ele gozou, eu não. Segurei a mão dele como se não quisesse que ele fosse embora, mesmo tendo sido uma péssima noite. Ele se foi, mas ele gostou e me deu o telefone. Pelo menos tive a sabedoria de não entregar o meu a ele.  Nunca mais nos vimos. Eu deveria odiá-lo, mas acabei superando.
Sou uma pessoa carente e eternamente excitada. Em 90% dos casos isso ferra com a minha vida. Meus últimos casos longos (como eu os chamo) duraram aproximadamente duas a três semanas. Envolviam primeiros encontros, junto com primeiros beijos e primeiras noites acontecendo em um espaço de dias, às vezes, horas.  Eu realmente tenho mania de apressar as coisas e por muitas vezes isso é o que acaba estragando tudo. Eu crio demônios que só existem na minha cabeça, coloco barreiras e ainda por cima, faço tudo que não deveria fazer. Talvez seja isso que me atrapalhou tanto.

Quando paro pra pensar só tive dois casos que ultrapassaram a barreira do primeiro mês. Aí sim eu começo a chamar de namoro. Os dois eu já contei aqui. Mas...ambos foram tão diferentes que seria covardia compará-los. Com o Gio as coisas aconteciam muito depressa. Com o Greg tudo acontecia com preparação e aos poucos, sempre um passo de cada vez.
No dia seguinte a nossa primeira noite no terraço do Skykeeper, Greg tinha que fazer a ronda na cidade. Então eu aproveitei para contar nossa noite para a Peggy:
―Vocês treparam no terraço do Skykeeper? Ok. Muita inveja de vocês. Você não sabe como é concorrido aquele restaurante? É o lugar mais bem frequentado da cidade!
―Não é pra tanto vai. A vista era bacana, eu fiquei com muito frio. E ele disse que me ama.
― Oi?
― Ele disse que me ama.
― E você?
―Dei pra ele.
Peggy estava de boca aberta. Eu me sentia uma pessoa vazia e malvada. Como se eu tivesse usando o Greg, mas no final ela deu de ombros e sentou numa cadeira cruzando as pernas e acendendo um cigarro:
― Você o ama, Téo? Eu prometo que não vou julgar.
― Não sei se eu o amo. O que eu sei é que eu gosto de passar o tempo com ele, sinto falta dele e às vezes me pego pensando nele bastante.
―Isso é meio que amor.
―Eu não sei. Ele disse isso, mas durante o jantar ele parecia tão distante. E aí quando estávamos no terraço ele me disse “Eu não sei ser íntimo de alguém quando estou em público”. Eu não quero ser um daqueles caras que posam de melhor amigo ao lado do namorado.
― E você disse isso pra ele?
― Claro que não. Não o quero entrando em parafuso e nem desconfortável. Imagina. É que Peggy, quando eu fico com alguém eu quero essa pessoa por completo sabe. Ele não me deixou sequer pegar na mão dele no restaurante.
― É o jeito dele.
― Mas...
Eu me lembrei de uma história que havia acontecido mais ou menos quando eu completei meu primeiro mês de namoro com o Giordano.
Estávamos nós dois em Curitiba. Em pleno inverno. Eu sabia da fama da cidade ser gelada, mas eu não sabia que ela era tão gelada assim. Eu tinha levado apenas uma camiseta de flanela de manga longa. Era um daqueles simpósios da faculdade, escapamos das palestras e fomos dar uma volta pelo jardim botânico de Curitiba. Deveria estar menos de dez graus. Por mais que andasse eu não me aquecia, então Gio me abraçou me levou até um café e me comprou um cappuccino. Nós nos sentamos em um banco onde ele me fez colocar as pernas em seu colo. Enquanto dividíamos o cappuccino ele nos enrolou em seu cachecol e me deu seu gorro.  A cena estava bem fofa até que ele avistou um casal de idosos nos encarando. Eu só me lembro dele virando pra velhinha e dizendo “Sim, ele é meu homem e ele ainda tem ereção”. Ela se benzeu e saiu rápido de lá. Eu apenas dava risada. Acho que no fundo o que eu queria do Gregório é que ele realmente se entregasse de uma forma aberta. Que ele mandasse o mundo à merda. Eu sei que pessoas são diferentes. Possuem dinâmicas diferentes, mas como eu faço? Eu sou tão ruim assim? Acho que no fundo eu sou.
― Você tem razão Peggy, é o jeito dele. Ele é tímido e reservado, eu deveria parar de cobrar demonstrações públicas de afeto.
― Então acho que você não tem do que se preocupar.
Peggy tinha razão, pra variar. De certa forma eu estava projetando o Gio sobre o Greg, isso não era certo. Desde o momento em que comecei a comparar Greg ao Gio eu tenho me frustrado. É melhor deixar isso de lado. Enterrar o Gio seja lá onde ele estiver e viver o Greg.
― Bom, me deixa ir, prometi ao Greg que estaria em casa na hora do almoço pra ajuda-lo a trocar o pé da geladeira.
― Sei... Aposto que você vai ajudar ele a trocar outra coisa depois.
― Meu, para de ser tão obscena! ―Ela ergueu uma sobrancelha ― É logico que eu vou ajudar ele a trocar várias outras coisas depois.

― Em três... dois... um... ― Greg dava as ordens e eu ajudava a erguer o eletrodoméstico.
― Deus do céu, você não pode comprar uma geladeira nova que não use pezinhos?
― Poder eu posso, mas só vou quando essa aqui gelar sua ultima cerveja.
― Então rosqueia essa meleca rápido que a geladeira está escorregando...
Tarde demais. A porta se abriu, uma das prateleiras escorregou derramando toda a sorte de comidas e bebidas no chão. Greg foi atingido pela garrafa de água ficando todo ensopado. Eu só tive tempo de colocar a geladeira novamente no lugar e esticar um guardanapo para ele.
― Pelo menos hoje está bem quente. Vou ter que tomar um banho antes de voltar para o trabalho.
― Vai lá. Eu vou dar um jeito nessa bagunça.
Ele me deu um selinho e correu para o banheiro. Eu comecei a juntar os cacos. Dentro de casa ele era sempre assim: fofo, gentil e doce. Estávamos juntos a mais ou menos um mês e quinze dias. E já somos um casal.
Ele voltou com o uniforme trocado e cabelo molhado, mesmo sorriso. Como eu poderia duvidar desse homem tão honesto e bom comigo? Eu sou um monstro. Ok, menos drama, mais ação. Acho que vou preparar alguma coisa para hoje, só pra mostrar o quanto sou grato por tudo que ele fez por mim.
As horas passaram e eu fiquei olhando o ponto de inserção no editor de texto sem conseguir escrever nada de útil. Quando olhei já eram mais de sete da noite e Greg tinha acabado de bater a porta da frente. Cansado demais pra sair e eu frustrado demais pra cozinhar.
Vamos fazer isso outro dia. Bom eu preciso ir à cidade. Minhas roupas íntimas que vieram comigo para Santa Clara já estavam bem usadas. E se eu olhar as do Greg. Bem... Não estavam em melhor situação. Ele também precisa de meias. E pelo menos uma camiseta básica nova. Quem será que cuidava disso antes? Será que era a Peggy? Bom, melhor não pensar. Fazer compras com a Vespa é terrível. Fui de ônibus até a cidade nova. Na volta ele atrasou. Cheguei em casa e já estava escuro, Greg estava vendo televisão. E eu morto.
Nesse ritmo o mês seguinte passou. Era raro fazermos algo doméstico juntos. Como pagar contas ou irmos ao mercado. Eu sempre fazia algo assim enquanto ele estava no trabalho. Geralmente na volta da biblioteca ou do parque. Eu já estava em Santa Clara há quase três meses e nada de uma nova história. Nada de inspiração.
O tempo passava. Eu já estava com vergonha de abrir meu e-mail antigo e encontrar pelo menos uma centena de mensagens desesperadas do Sidney perguntado do novo livro. A essa altura a editora já deve ter desistido. Cancelado o contrato. Era questão de tempo até me localizarem e a editora me fazer pagar alguma multa por quebra de contrato. Eu provavelmente teria que vender o apartamento que comprei com a primeira edição do Violeta. Não era grande coisa. Mas eu poderia viver aqui com o Greg.
Eu tenho que ajudar o Greg de verdade. Pegar alguns trabalhos de faculdade para corrigir não é má ideia. Isso serviu pra que eu enrolasse por mais um mês. Pelo menos deu pra pagar o aluguel do quarto. Mas se eu fosse mudar minha vida para Santa Clara de vez, só isso não bastaria.
Eu já estava entrando no quinto mês em Santa Clara. Greg e eu estávamos bem. Era uma lua de mel. Mas ele estava preocupado comigo. Eu praticamente não saia de casa, quando saía, ia para a biblioteca e voltava cheio de livros. Eu lia até três romances por semana, mas sem inspiração. Até em um dia, meus dedos tamborilavam sobre o teclado. Greg colocou suas mãos sobre as minhas e disse “Chega, vamos sair”. Ele estava certo. Eu o beijei e seguimos para um parque próximo da cidade velha.

O dia estava realmente quente. Greg estava de regata, mas como eu sou um idiota, sai de casa com jeans e camiseta escura.  O Parque estava lotado de pessoas, casais com filhos, crianças com cães. Alguns adolescentes bebiam vodca disfarçada em uma garrafa de refrigerante. Um outro casal se beijava no meio das árvores. Eu só queria um banco sossegado pra fugir do calor.
Havia uma clareira no final do parque com um banco bem reservado, eu apontei para ele e disse que me sentaria lá. Greg se sentou ao meu lado. Não exatamente ao meu lado, Ele se sentou no extremo oposto do banco. Pelo menos duas pessoas poderiam sentar entre a gente.  Ele se sentou de pernas aberta e cabeça baixa. Eu abri os braços e estiquei uma das pernas sobre o lugar vago. Eu preferia que fosse sobre o colo dele. Mas... Tudo bem... Vamos respeitar os modos dele:
―Você está bem?
―Só estou com um pouco de calor agora.
―Não... Eu estou falando do seu livro.
―Se é por isso... Eu não estou bem.
Eu contei ao Greg tudo que me fez fugir pra Santa Clara. Contei do sucesso do meu livro, contei pra ele que meu agente literário vendeu um segundo livro pra editora e que eu não estava conseguindo nem pensar em um enredo para esse livro. Contei que provavelmente eu teria que pagar uma multa imensa, perderia a minha casa, perderia minha credibilidade com as editoras e que caso conseguisse escrever outro livro um dia, ele não seria publicado. Quando eu terminei de contar, eu estava quase chorando. Eu esperava um abraço, uma mão no ombro, alguma palavra de conforto, mas ao invés disso ele continuou imóvel, olhando para o chão. E quando ele percebeu que eu tinha terminado de falar, apenas disse:
― Você vai superar. Eu sei que vai.
― Tomara. ― Acho que disfarcei o descontentamento com a reação dele. Porque não houve nenhuma mudança na atitude.
Eu apenas me encostei no banco aproveitando uma brisa fresca que fazia o suor evaporar da minha camiseta. Aquele era o jeito do Greg, afinal. Um amor em casa, um romântico na cama e um cara completamente distante quando estava em público.  Ele estava sentado a exatos dois lugares. Nem sequer olhava pra mim. Eu estava odiando essa situação, mas estava calor demais pra sair dali. Vi um carrinho de sorvete mais adiante. Reparei que ele olhou para o carrinho. Tentei uma cartada de reclamar do calor só para ver se eu conseguia fazer ele dividir um sorvete. Tudo que ele fez foi concordar comigo.
Eu já estava cansado dessa situação. Estava decidido a ir embora, torrar minhas ultimas economias em um ar-condicionado e ficar no quarto olhando pra tela do computador.  Quando eu reparei em um Guarda Civil se aproximando do nosso banco com um sorriso largo. Ele deveria ter idade pra ser meu pai. Provavelmente era um dos colegas do Gregório:
― Aproveitando a folga não é Jefferson?
― Sim senhor. Fugindo um pouco do calor que está fazendo.
Greg se levantou e aquele senhor lhe deu um aperto de mão e um tapinha no ombro.  Por instinto eu também me levante e esperei por alguns segundos até ser apresentado.
―Comandante esse é meu… primo, Theodoro. Ele é um escritor e está pegando inspiração em Santa Clara para um romance.
―Não me diga. E você escreve o que rapaz?
―Eu tenho um romance policial publicado pela Martins & Souza Afonso chamado Violeta. Atualmente estou trabalhando no meu segundo livro.
― Meu deus, mas tão moço! Se me permite a indiscrição… Qual é a sua idade?
― Faço 25 no próximo mês.
― Sua família está fervendo com jovens promissores Gregório, eu quero que saiba que estou pensando seriamente em te nomear como responsável por toda a área da cidade velha, não temos muitos problemas nessa região e blá blá blá....
Eu realmente parei de escutar quando a conversa se dirigiu apenas ao Greg. Ele me chamou de primo. Se ele tivesse dito que eu era um amigo dele, um turista, ou qualquer coisa. Mas primo! Primo é foda.  Eu não escutava nada, não via nada... Eu canalizava minha raiva em um sorriso falso nos lábios. “Sim, ele é meu homem e ele ainda tem ereção”... “Comandante esse é meu… primo”... O frio de Curitiba e o calor de Santa Clara iriam se transformar em uma tempestade na minha cabeça a qualquer momento. Com direito a destelhar várias casas e ainda por cima alagar várias avenidas importantes. Eu não conseguia respirar direito, minha visão estava trêmula. “Vou comprar um Cappuccino pra ver se você esquenta. Será que eles fazem com conhaque?”... “É está quente mesmo”... “Coloca suas pernas aqui pra ver se você se esquenta”...
―Foi um prazer te conhecer rapaz. ― Uma mão grande estava esticada em minha direção, me fazendo despertar.
―Igualmente, Comandante.
―Por favor, me chame de Fúlvio.
―Igualmente, Fúlvio.
―Como se chama seu livro mesmo? Eu gosto muito de romances policiais.
― Violeta. Eu devo ter uma cópia comigo. Eu lhe dou uma com o maior prazer. O primo pode entrega-la para o senhor.
―Eu ficarei muito grato. Mas faço questão de comprar uma cópia.
―E eu ficarei muito feliz em dedica-la ao senhor.
―Por favor, me chame de “você”.
O senhor simpático virou as costas e eu fiquei de pé. Fazendo cara de paisagem até que ele sumisse da minha vista.
Meu sorriso desapareceu. Meu suor gelou. O ar dos meus pulmões estava quente como fogo e eu o expeli pelas narinas como se fosse um dragão que tinha acabado de acordar e estava preparado pra destruir algumas vilas. Sem dizer nenhuma palavra eu comecei a caminhar rápido sem direção, até a saída do parque. Eu não queria chorar, eu não podia chorar. Eu não poderia dar escândalo, eu não queria dar escândalo. Caminhava levemente mais rápido do que de costume, olhando para o chão e eventualmente para os lados. Greg me seguia, acho que ele se tocou que se por acaso tentasse falar comigo eu não responderia, se tentasse me segurar eu escaparia, se ele tentasse andar mais rápido eu correria. Então para manter as aparências ele apenas me seguiu.
Quando chegamos em casa eu não aguentei. Queria apenas me trancar no meu quarto. Mas dentro das paredes da nossa casa, Greg estava livre para correr. Ele me alcançou no meio da escadaria. Abraçou-me forte. Eu queria dar um soco nele. Empurrar ele da escada e com sorte ele iria se quebrar todo e me deixar em paz. Mas eu apenas canalizei toda a minha raiva em um choro. 
Sentei em um degrau da escada, Greg sentou ao meu lado e colocou uma mão no meu joelho. Eu não tinha forças para nada. Ficamos nessa posição por quase uma hora até minha cabeça ficar clara o suficiente:
―Primo? Sério Gregório?
―Desculpa, foi o que passou pela minha cabeça.
―Você poderia ter me chamado de mil coisas diferente, mas primo?
―O Comandante Esteves é um senhor mais velho, ele nunca saiu daqui e ele é quase como um padrinho meu na corporação. Eu não poderia ter te apresentado como meu namorado. Ele poderia...
―Primeiro: eu nunca pedi pra você me apresentar como seu namorado. Você poderia ter me apresentado como colega de apartamento, dizer que eu alugo um quarto na sua casa, amigo, conhecido, mas primo? Primo é foda, Greg. Primo é como a gente apresenta o namorado pra professora no colégio.  E segundo: o que ele poderia fazer com você? Você é concursado, competente, fez mais horas extra que qualquer um naquele lugar.
―Eu sei, mas...
―Greg, eu não estou pedindo pra você sair do armário. Só estou pedindo pra você não me empurrar pra dentro dele, ok?
―Eu não estou no armário, eu só não gosto de expor minha vida íntima.
―Então não me transforma no seu primo, porra!
Eu achei que ele iria sumir. Ele estava vermelho e envergonhado. Estava quase chorando. Eu não aguentei, comecei a chorar junto com ele e o abracei.
―Eu não quero que você divida nada comigo no parque, ou que andemos de mãos dadas na rua. Eu só quero que quando estiver junto, pelo menos na sua cabeça, eu seja o seu homem.
Enxuguei uma lágrima dele. E ele me beijou.