sexta-feira, 8 de março de 2013

Capítulo 6 “(Me) Pegar ou largar” 3ª Parte


Se eu dissesse que havia perdoado e esquecido toda a história do parque. Eu certamente estaria mentindo. Naquela tarde, Santa Clara estava especialmente quente, dessa vez eu emprestei uma das regatas do Greg (que pra mim ficava um pouco larga). Peggy havia nos dado uma lista com pelo menos uma dúzia de bebidas diferentes. Cada item possuía uma especificação, indicando pelo menos duas marcas ou duas características de cada bebida. Algo como “Vodca (não a mais cara, mas nada de vodca barata, trazer das marcas X ou Y)”. De fato, a lista ocupava a frente e o verso de uma folha de caderno.
A Caminhonete dela cheirava a hidratante feminino. Era vermelha e tinha uma caveirinha bobble-head em cima do console, de lacinho, tocando guitarra. Claramente era o carro da Peggy.
Eu estava escorado na porta bem ao lado da janela e aproveitava o vento enquanto estudava a lista de compras. Greg pegou uma longa sequencia de sinais verdes na avenida. Eu coloquei a lista de compras no bolso da bermuda e fiquei fazendo ondas no ar com o braço e enquanto isso eu só conseguia pensar em como seria minha relação com o Gregório de agora em diante. Se ações como a do parque se tornassem constantes certamente nossa relação não teria mais futuro e eu certamente me machucaria demais, nós brigaríamos e nunca mais nos falaríamos. Por consequência eu perderia o contato com a Peggy e deixaria Santa Clara muito frustrado. Caso isso não acontecesse novamente, mas a atitude de Greg não evoluísse, nós iríamos acabar ficando mais amigos do que namorados e no fim das contas eu não conseguiria mais ter tesão por ele. No fim das contas, acabamos como amigos, eu parto pra procurar outra relação, mas isso pode levar muito tempo. Tempo que eu não tenho.
Fora isso já se passava quase seis meses da minha fuga. Como será que Sidney estava se virando para explicar na editora? Eu não dei nenhuma satisfação para ele desde que vim para cá. Se eu não aparecesse com algo novo, algo realmente bom, certamente ele não me agenciaria mais. Eu estaria queimado nas editoras e ninguém publicaria mais nada meu. Inspiração é algo que vem, acontece do nada, mas ela só vem se você se exercita, lê, vive. Eu tenho vivido com Peggy e Greg nesses tempos, mas ao mesmo tempo, eu não tenho trocado muito de ares. Preciso ver mais pessoas em movimento... Eu preciso de um emprego aqui em Santa Clara. Algo temporário. Eu já tinha encarado mais de uma vez a página do jornal local. Quase cliquei no link do RH umas duas vezes. Mas aceitar um emprego em Santa Clara significa que eu não estaria mais em fuga, significava criar raízes.
Criar raízes em Santa Clara não era um grande problema, se eu sentisse que Greg estivesse pronto para algo mais profundo. Não estou dizendo que eu queria em menos de um ano ele me pedisse em casamento ou coisa do tipo, mas nesse tempo o máximo que fazíamos era ir ao Peggy’s, sentarmos ao balcão e pedir cervejas, Greg falava que havia detido algumas crianças tacando pedras nos postes de luz e seus pais diziam que elas estavam “apenas brincando”. Devido a essas “brincadeiras” a câmara municipal iria aumentar o imposto em quase cinco por cento.  Eu contava que tinha lido um romance ótimo, que tinha rascunhado alguma coisa para um livro novo, o que na verdade era mentira porque eu não conseguia pensar em nada novo. Greg sorria , pedia uma porção de cebola frita, nós repartíamos e íamos para casa, Depois de fechar a porta e as cortinas no quarto, ele tentava me beijar, eu brincava que ele estava com bafo de cebola, mas que para o azar dele eu amava cebola. Ele dormia no meu quarto. No meio da noite ele acordava. Via-me sentado rascunhando alguma coisa, me abraçava e voltava para a cama.

No decorrer desse período, ele era um verdadeiro príncipe dentro de casa. Eram raras as ocasiões em que íamos a um lugar diferente do Peggy’s. Se eventualmente íamos ao mercado juntos, cada um pegava o próprio carrinho de compras e fazíamos compras separadas. No cinema só fomos duas vezes. Greg pedia para Peggy sentar entre nós dois, ela fechava a cara, mas o fazia. Ele sempre andava a dois passos a minha frente ou atrás de mim, nunca ao meu lado. Sempre que conversávamos em público, ele respondia de maneira breve e direta. Era no Peggy’s que ele se soltava um pouco mais. Lá ele desabafava alguns problemas do trabalho e teve uma vez em que ele até pegou na minha mão. Mas quando olhei ao redor, vi que estávamos sozinhos no bar. Até mesmo a Peggy estava arrumando as garrafas no estoque.
Por isso eu acho tão difícil pensar em ficar de vez aqui. Entretanto, se eu analisar bem. Eu estou instalado, comprei um frigobar e uma Vespa, tenho um namorado. Eu tecnicamente posso transferir meu título de eleitor pra Santa Clara e ficar de vez aqui. Mas primeiro eu preciso de alguma coisa que me prove que Greg vai ser o homem definitivo. Alguma coisa me prove que vou poder ficar muito tempo com ele.  Como meu namorado me pode me tratar como um colega de quarto na rua e ser o cara mais doce e legal do mundo dentro de casa?
Pelo menos ele não me apresentava mais como primo. Quando um conhecido dele nos encontrava juntos ele me apresentava “Esse é o Theodoro”. E quando surgia um “Então o que ele é seu?” eu mesmo respondia “Eu alugo um quarto na casa dele”.  Mas cada vez que isso acontecia, eu sentia que ia vomitar. Ele me olhava com uma cara de “obrigado” e eu respondia com uma cara de “você me deve por isso”.
Na verdade. O que eu poderia pensar sobre o Gregório era que ele era o típico garoto do armário. Veja bem. Eu nunca tecnicamente contei para os meus pais da minha opção sexual, tipo, sentei num sofá e disse “Pai, mãe, sou gay”. Comigo as coisas aconteceram de uma maneira tão natural. Certo dia eu chamei o Gio para ir à casa dos meus pais. Quando nós chegamos lá nós demonstrávamos tanta intimidade e cumplicidade, que minha mãe me chamou na cozinha e me perguntou “Theodoro, você está namorando esse rapaz?” eu só respondi “Sim” e ela respondeu “Seu pai não vai gostar nada disso”. Quando cheguei na sala meu pai conversava muito animado com o Gio, os dois bebiam vinho e riam foi quando minha mãe soltou o veneno “Que bom que você está se dando bem com nosso genro”.  Achei que meu pai fosse ter um infarto. Nós jantamos sem dizer uma palavra. Meu irmão ainda estava no colegial, dava risadinhas escondidas, Gio parecia perfeitamente confortável nessa situação. Ele está acostumado a ignorar todas as pessoas ao seu redor, eu não tinha essa capacidade. Meu pai ficou quase um ano sem falar comigo depois daquele dia.  Até que no natal do ano seguinte, eu estava bem mau pelo fato do Gio ter voltado para a Itália. Eu estava no meu antigo quarto sentado vendo algumas fotos nossas quando ele entrou e disse “Eu só quero que você consiga realizar todos seus projetos filho” e saiu do quarto.
Greg perdeu os pais antes de eles saberem que ele ama meninos e meninas. Por isso acho que ele não teve ninguém pra dizer “Eu te amo independente de quem você seja” como meu pai fez daquela forma velada dele. Será que eu teria que ser aquela pessoa? Isso é muita responsabilidade. Eu não sei se aguento.
Uma vez eu disse brincando numa mesa de bar “Homem meu não pode se ferir tão fácil”. A sogra de um conhecido me disse “E o que você vai fazer? Deixá-lo morrer?”. Acho que ela estava me dizendo que, quando você ama alguém, você deve dar apoio a essa pessoa. Ajudá-la a passar pelas suas dificuldades e crescer. Eu quero ajudar o Greg a crescer e sair da sua concha. Mas eu não posso fazer nada se ele não tomar iniciativa.
E lá estava eu nesse empasse. Não sei se caso, se compro uma bicicleta ou adoto um cachorro. Fiquei tão entretido pensando nisso que nem percebi quando Greg encostou o carro na frente do depósito de bebidas:
―Você não vem?
―Estou indo.

Desci do carro com a cabeça nas nuvens e comecei a acompanha-lo, Greg falava alguma coisa sobre aproveitar o cartão de atacado da Peggy e pegar algumas bebidas para a gente, eu apenas concordava com tudo que ele falava e voltava a fazer meus cálculos mentais. Coisas inúteis tipo “se o Greg me der um sinal, qualquer que seja, eu vou procurar um emprego na cidade”. Depois meu pensamento passou a ser “Dane-se, eu preciso mesmo sair de casa, vou procurar alguma coisa pra fazer” e no final das contas minha decisão final foi “Comece a trabalhar no primeiro lugar que te oferecerem e já contrata um advogado pra ver a quebra de contrato com a editora”.
De fato. Minha cabeça estava uma bagunça desde o incidente com o comandante Fúlvio. Eu estou bem dividido entre começar uma vida em Santa Clara ou voltar para casa. Mas nesse exato momento eu estou aqui, lendo o rótulo de um suco de Cranberry. Na lista de Peggy dizia que deveríamos pegar 4 litros do suco. Mas eu estava perdido em meus pensamentos. Querendo saber exatamente o que fazer. Greg passou por mim e me deu um tapa no ombro:
―O que foi?
―Nada.
―Terminou sua parte?
―Preciso pegar xarope de Grenadine e calda de menta ainda.
―Termine logo, eu vou pra fila do caixa segurar uma vaga.
― Ok.
Eu me perdi no depósito. Não consegui achar a calda de menta, peguei dois litros de licor de menta mesmo.  Nem me toquei, mas nessa brincadeira toda de procurar por calda eu perdi quase vinte minutos. Quando cheguei ao caixa, Greg já tinha passado boa parte da compra. Nisso o caixa do meu lado tinha acabado de vagar. Eu decidi passar o meu carrinho separado.  Greg fez uma careta e deu de ombros.
Enquanto a moça do caixa passava as garrafas e caixas de suco eu fiquei observando Greg de longe. Será que ninguém nunca disse pra ele que ele era lindo e elegante. Mesmo de bermuda, regada e chinelo, ele tinha uma majestade rara em homens da idade dele. Não sei se é a barba ou se é a altura, a postura impecável ou o par de olhos azuis que sempre guardam uma sombra de tristeza.  Até a mulher que o atendia estava impressionada. A rapariga só faltava se jogar nos braços dele. Naquele momento eu me sentia nos céus. Ela poderia tentar o quanto fosse. Ao final do dia ele era meu.  Ela pegou o recibo, anotou algo e entregou ao Gregório com um sorriso se orelha a orelha.

A festa da Peggy iria acontecer daqui a dois dias. Eu já havia mandado um currículo para o Instituto de Artes de Santa Clara, para a Prefeitura, para algumas ONG’s , mas ainda não tive coragem de mandar para o Jornal. A Gazeta de Santa Clara era um jornal regional relativamente prestigiado, em circulação desde 1890. Eu mesmo havia lido boa parta das principais notícias do jornal e conhecia relativamente bem suas principais notícias das ultimas décadas:
―Quer saber de uma coisa... “Trabalhe com a gente” Cliquei. Nome... Telefone para contato... Endereço... Anexe o seu currículo aqui... Enviar.
Encostei-me à cadeira do computador como se tivesse tirado um peso enorme das minhas costas. Agora é só esperar...
Dormi que nem um bebê.

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Galeres. 
To postando essa partezinha do Capítulo 6 porque faz muito tempo que não posto nada e também porque faz muito tempo que não to conseguindo escrever nada.
Acho que vou fugir pra Santa Clara e procurar meu Greg.