quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Capítulo 2 "Santa Clara"


Santa Clara é uma cidade de sonho. Aparentemente uma cidade pequena, mas no fundo uma cidade bastante cosmopolita. Eu me assustei quando cheguei aqui. Prédios, casas luxuosas, para alguém metropolitano como eu é normal achar que cidades menores do interior são paradas.
Cheguei na cidade de ônibus, trazendo apenas minha mochila nas costas com algumas roupas mais básicas, minha jaqueta jeans nos ombros, preparado para meu período de isolação começas. Meu celular com o novo número não possuía nenhum contato em sua memória. O que era um alívio.
Santa Clara possui uma região mais sossegada, a cidade velha fundada por colonizadores franceses no final do século XVIII durante as invasões francesas. Uma cidade charmosa, com vários parques e jardins. Minha jornada começou por ali, com uma caminhada em um parque para cães onde crianças se divertiam com seus animais, dando risadas altas e gostosas de serem escutadas, senhores jogando xadrez e dominó. Uma checada no celular, nenhum sinal de wi-fi. Velhos costumes são difíceis de se perder. Eu precisava ver meus e-mails. 
Mais uma caminhada e localizei restaurante, lojas de roupas, armarinhos, mercado, nenhum hotel... Fui caminhando até a Cidade Nova, cerca de uns quarenta minutos andando na minha velocidade normal. A cidade era linda de fato. Prédios altos e imponentes, com um charme de prédios antigos. Restaurantes refinados, alguns clubes, de fato, Santa Clara era uma cidade turística, mas era uma cidade bem cosmopolita. Lá havia um hotel luxuoso, o Gran Hotel, mas eu não estava afim de me hospedar em um lugar tão movimentado, haviam outros hotéis menores e algumas pousadas, mas todas na cidade nova. Infestada de turistas, a cidade nova com seus carros e apartamentos não me atraia nem um pouco.

Caminhando de mochila e jaqueta empoeirada, ombros pesados de cansaço, eu decidi voltar para a cidade velha. Havia passado do meio dia, e eu não tinha almoçado, estava com muita fome, logicamente haviam vários restaurantes na cidade nova, mas... Mas aquele lugar me deixava triste e cheirava a mais do mesmo, fazia-me lembrar exatamente daquilo que eu fugia. Quando passava na frente dos prédios, sentia que a qualquer momento o chefe da editora iria me encontrar juntamente com um crítico do jornal, e ambos iriam me perguntar sobre a data do lançamento do novo livro e depois iriam me chamar para almoçar com suas lindas esposas e filhos, onde ficariam me perguntando sobre minhas fontes e inspirações.
Minha ultima parada na cidade nova foi inesperada . Em frente a uma garagem de carros usados, me deparei com uma Vespa, modelo antigo, provavelmente dos anos 1960, 150 cilindradas, a gasolina, Preta e em excelente estado de conservação. O preço era salgado para o meu paladar. Não estava nos meus orçamentos para a fuga, entretanto, as vendas do Violeta iriam me sustentar por um bom tempo e me permitiam certos luxos como uma fuga para uma cidade desconhecida e uma Vespa.

Comprei a motoneta com um ar triunfantemente, até me esqueci da fome, dirigi a toda velocidade de volta para a cidade velha.
Fazia muito tempo que eu não sentia uma sensação de liberdade tão grande. O vento no rosto e o conforto do veículo, o ar tão fresco da cidade velha, tornavam tudo tão agradável , uma rápida passada na padaria, onde comprei um brioche de presunto e um café para viagem fecharam minha tarde.
Escolho outra praça da cidade bem espaçosa com grandes árvores. Deixei a Vespa estacionada à sombra de uma árvore e caminhei para dentro da praça. Mas sempre tomando cuidado de manter meu veículo ao alcance da minha vista.
Setei-me sob uma árvore em um banco. Pássaros faziam muito barulho nos galhos acima. Me desliguei do mundo. O ar fresco, a risada de alguém ao longe, tudo tão idílico, mau percebi a figura que estava se aproximando da minha Vespa.
Um policial totalmente fardado que fazia a ronda estava parado de costas para mim. Observava a motoneta. A princípio achei que ele estava admirando o veículo, afinal era um modelo antigo e muito lindo, porém reparei que ele estava anotando alguma coisa. Finalmente caiu a fixa. Uma multa.
 Merda, merda, merda, merda, não, não, não, não...   disse no meu tom de voz normal e subindo.
Quando me levantei e fui em direção a Vespa ele já estava longe, Não vi seu rosto, mas reparei bem. Era da minha altura, cabelos castanhos saindo do quépe, aparentemente possuía uma barba, andava com calma, porém com firmeza, de forma que dava para ver seus músculos definidos por baixo do uniforme.
Por alguns minutos fiquei parado observando-o enquanto ele virava a esquina. Quando o perdi de vista, apenas amassei a multa e coloquei-a no bolso.
Rodei mais um pouco pela cidade velha, vi casas e comércios, até visitei alguns lugares na zona rural, havia um clube hípico, uma instalação para camping mas nada de hotel ou pousada. Rodei pela cidade até o tanque da Vespa quase secar. Era comecinho da noite quando me dei por vencido. Cheguei em um cantinho da cidade cheio de casas velhas, chamado Vila do Estúdio, aparentemente um bairro residencial bem sossegado.
Avistei um neon fraquinho na fachada de uma das casas, dizia em letras garrafais Peggy's achei que se tratava de qualquer tipo de comércio familiar, mas a música e as conversas altas denunciaram. Tratava-se de um barzinho. Deixei a motoneta estacionada logo na entrada e entrei no bar. De uma decoração despojada e simpática, lembrando bem um barzinho antigo, um rock clássico dos anos 60, me fez simpatizar com o bar na hora.
Um rapaz de barba e camiseta preta estava numa mesa perto da porta, dois casais jogavam dardos e a balconista eram todos os presentes. Optei por sentar no balcão, necessitava de algumas informações que talvez a moça poderia me dar. Era uma moça nova, provavelmente da minha idade. Cabelos cacheados, tingidos de preto, o que era perceptível devido a sua raiz ruiva nascente. Tinha umas sardas no rosto e trabalhava com afinco atrás do balcão arrumando os copos.
Sentei-me no balcão e pedi uma tônica com gelo e limão, o cansaço do dia caiu nos meus ombros como uma tijolada, eu não sentia mais forças nenhuma e necessitava de um banho e uma cama urgente. Cheguei a considerar qualquer pousada da cidade nova. Pelo espelho atrás das bebidas, eu via o barbudinho bebendo sua cerveja com cara de que não se importava com mais nada, beberiquei minha tônica sem muita vontade.
Meu desejo era cair e dormir lá mesmo. Eu só ia finalizar a bebida e iria dormir. Isso, qualquer banco de praça serviria. Tenho que pagar uma multa por estacionar em local proibido, agora pago outra por vadiagem! Ou quem sabe eu seria preso? Quem sabe eu não dormiria numa cela com um turista bêbado da cidade nova. Ai que saco! Odeio quando começo a viajar assim.

― Moça, com licença ― a bargirl se levantou na hora e veio até mim.
― Em que posso servi-lo?
― Eu precisava de uma informação...
― Sim ele está solteiro.
― Oi? 
― O rapaz que você está encarando na mesa lá ao fundo, ele está solteiro.
― Não não é nada disso que... 
― Desculpa, eu sou impulsiva assim mesmo. Prazer, Peggy.
― Você é a dona do bar então? Melhor ainda você pode me ajudar.
― Sim. E me desculpa pela brincadeira. Sempre faço coisas desse tipo com os rostos novos. 
― Ah, tá. Sem problemas.
― Então em que eu posso te ajudar?
― Você por acaso conhece uma pousada ou hotel aqui perto? Eu sou meio novo na cidade como você percebeu, vim aqui meio que sem planejamento. Fiquei o dia inteiro andando pela cidade e nem vi hotel.
― Quanto tempo você pretende ficar aqui?
― Pra ser sincero, não faço ideia.
― Realmente, você não tem cara de turista. Veio pra cá a trabalho, ou coisa do tipo. Bem na cidade nova tem uma dúzia de hotéis, você pode tentar o Gran Hotel, é o mais luxuoso e caro, não é legal pra tempos indeterminados. Tem umas pousadinhas na praia que são mais baratas. Só cruzar a ponte e ir na cidade nova.
― E aqui na cidade velha?
― Você é um apaixonado pela cidade velha não é? Eu falo que esse bairro tem um charme de subúrbio de Paris, misturado com Brooklin de Nova York e um quê de Lapa carioca, mas no fundo é só a Velha Santa Clara.
― Percebi isso mesmo ― disse com um sorriso ― Amei essa parte da cidade. Por mim eu ficaria aqui por uns longos anos.
― Simpatizei com você e acho que posso tornar seu desejo realidade. ― Ela suspendeu o corpo para cima do balcão até se sentar nele. ― Gregório, chega no escritório. ― Escorregou de volta para detrás do balcão.
Gregório, era esse o nome dele. O rapaz tinha um rosto simático, uma barba lustrosa e curta emoldurando um sorriso belo e inocente. 
Sua camiseta preta permitia ver seu corpo bem cuidado. Ombros largos e um pescoço forte. Era difícil não olhar para ele com interesse. O calo castanho dourado brilhava sobre as luzes incandescentes do bar. Ele puxou o banco ao meu lado, colocou sua long neck em cima do balcão e com uma voz de moço disse:
― Eai Peônia, o que foi?
― Já disse que meu nome é Peggy. Peônia é aquela flor tosca que fica no canteiro da sua vó!
Gregório soltou uma risada gostosa, que lembrava uma criança que terminou de fazer alguma travessura:
― Greg, é o seguinte, esse aqui é o... Qual seu nome mesmo?
― Theodoro, Téo.
― Téo ― Disse apontando para mim, o que me fez ganhar um aperto de mão dele ― Ele vai passar uma temporada e não tem grana pra ficar no Gran Hotel, ou não quer... Tanto faz! Você ainda está procurando alguém pra alugar um quarto na sua casa?
― É eu... Ainda estou. ― Com seus olhos azuis, ele me analisou por completo, e eu estava lá, desarmado, enquanto ele me dissecava. Ele era realmente muito lindo, é lindo demais pra ter algum interesse em mim. Meu velho costume de super estimar as pessoas, me colocar como inferior, eu odeio isso, preciso parar ― Então... ― Disse ele finalmente olhando pra mim
― Prazer... Theodoro. ― Estendi a mão meio sem jeito.
― Pastel ― Suspirou Peggy.
Greg deu uma gargalhada, e eu ri de nervosismo:
― Bom, eu acho que se você não saiu correndo depois disso, você consegue suportar as brincadeiras toscas do Greg ― Disse a Peggy.
― Aqui tem uma foto do quarto e o valor do aluguel é esse aqui. Só peço o primeiro mês adiantado. ― Completou Greg.
O quarto aparentava ser confortável, e o preço era razoável. Pelo menos meu cansaço e o pó da minha jaqueta diziam que era.  
― Eu fico com ele, só que só vou poder sacar dinheiro pra te pagar amanhã.
― Lógico que sim. Vamos, eu te mostro o quarto, Peggy, pendura o dele na minha conta.
― Você deveria trabalhar aqui como escravo pra pagar sua conta Gregório!
― Não seja má Peônia
Peggy mostrou o dedo do meio com esse comentário.
― Vamos ― Disse Greg levantando, quando do nada me dei conta, estava com uma calça de uniforme de polícia, a jaqueta e o quépe estavam no banco de onde ele tinha saido.
Eu tinha encontrado o policial que havia me multado. 

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